A Rússia – texto e fotos

Fotos: Claudio Mafra. Reprodução permitida mediante citação dos créditos.
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Só tem russo esperando o embarque. Gente meio envergonhada. Russos em Londres voltando para Moscou. Sentada no banco, na minha frente, eu vejo a minha primeira russa bonita. Fotografei.

Mais tarde eu teria quase 100 fotos dessas beldades. (vejam algumas delas após o texto)

Estou indo de um extremo ao outro da Europa em apenas três horas e meia de vôo.

Eu vi o estádio do Dínamo. Consegui entender os caracteres russos. Foi um espanto para o chofer de táxi e para belíssima moça que está ao lado dele:- “Como é que o senhor sabe”? Fico feliz por estar aqui, no coração do maldito ex-império soviético, e além de tudo saber que este é realmente o estádio do Dínamo de Moscou. De quebra ainda falo em dois outros times, o Estrela Vermelha, e o Spartak. O chofer se enrosca de tanta satisfação. O sucesso me sobe à cabeça.

Estou no Hotel Budapest, um dos mais antigos de Moscou, da velha guarda mesmo. Na recepção duas meninas lindas, delicadíssimas. Ando por esses velhos corredores pensando em quantos camaradas ( tavaristchs) importantes chegaram aqui preparados para morrer. Isso mesmo. Vinham de outras partes da Rússia para uma entrevistazinha com Stalin, ou algum outro carniceiro do Politiburo. Nunca sabiam se voltariam para casa, se iriam ser fuzilados, ou despachados para a Sibéria. Fico olhando pela janela do meu quarto. Presto atenção nas poucas pessoas andando nos passeios larguíssimos ao lado dos prédios majestosos. Os mais velhos são antigos zumbis, gozando uma nova vida. Os mais jovens são os filhos dos zumbis. Então, isto é Moscou nos primeiros instantes em que estou completamente sozinho nesta cidade que foi o coração do império do mal.

Quem são os idiotas que asfaltaram o mundo inteiro? Os caras que taparam os belos paralelepípedos? Fiquei surpreso vendo asfalto em Moscou. Pensei que fosse como Praga, ou outras ex-cidades fantasmas comunistas, onde por falta de dinheiro as pedras continuaram nas ruas.

Saio do hotel e caminho pela noite tentando ir na direção do Kremlin. KREMLIN. Todas as palavras são aterrorizantes. Quando eu era menino tinha medo do Stalin. Imagine. Um menininho com medo do tio Zé. É o cúmulo do terror. Os russos, uma plêiade de psicopatas que se julgava acima do bem e do mal, os donos da verdade derradeira, representantes da última classe social a ascender ao poder, depois dela nenhuma, até que enfim a justiça, a ditadura do proletariado, o último estágio da evolução humana, a luta final contra o capitalismo, contra o imperialismo americano, Os psicopatas tinham certeza de que o tempo trabalhava a seu favor. O mundo tremeu. Parecia uma coisa matematicamente certa, completamente definitiva. Isto é, definitiva para nós, os idiotas, os ingênuos. Para milhões e milhões não era nada disso, era simplesmente um terror insano, criminoso, que terminaria algum dia, se não fosse apertado o gatilho nuclear.

Nós,os perfeitos idiotas latino-americanos, e mundiais, admirávamos os russos em nosso rancor gratuito contra os americanos. Para os europeus, os Estados Unidos eram a única garantia de que não seriam invadidos pela horda avassaladora que viria do leste. Viviam com medo e ainda tinham que lutar contra os partidos comunistas dentro dos seus próprios países. Era assim: se os comunistas chegassem ao poder era certo que trabalhariam para os interesses russos e tentariam acabar com os outros partidos. O pesadelo acabou. Nós, os idiotas, nunca passamos por essas coisas. Nunca vimos os comunistas. Só aqueles de brincadeirinha: o OscarNiemeyer (incrivel, está vivo até hoje) , o Jorginho Amado, o Lucinho Costa, o Fernandinho Morais, o Robertinho Freire,o Aldinho Rabelo, e os patifes do PT. Houve uma exceção na lista de malandros: Luiz Carlos Prestes. Quando eu era pequeno, mamãe me falou sobre ele: o homem que teve a coragem de apertar a mão e sorrir para Getúlio, o homem que entregou a sua mulher, grávida, para os nazistas matarem. Um dia, alguns anos antes da queda do Muro, nós conversamos. A minha cabeça bem fria, atento a todas as suas expressões faciais, ao seu sorriso , à sua maneira de tratar a si próprio como uma lenda viva. Já velho, olhava para mim e certamente fazia a classificação: burguês, inocente útil, simpatizante, militante. Esse sim,  mandaria nos fuzilar enquanto tomava sorvete.   “O cavaleiro da Esperança”.

Quanta mulher bonita. Imagino o Béria, que saía de carro, o próprio demônio, chefe da NKVD, (KGB), escolhendo suas vítimas pelas ruas à noite, em Moscou. Mandava o chofer parar, obrigava a entrar e acabou. Assim mesmo. E ele tinha sífilis. Eram esses os reformadores do mundo. Outro dia vi na BBC o depoimento de uma antiga atriz  que foi uma das suas vítimas. Ela disse que estava preparada para se suicidar se houvesse uma segunda vez. Que o Béria, nu, na cama, parecia um grande porco. Horripilante. Lavrenti P. Beria. Depois de Stalin era ele. Mas também podia morrer a qualquer momento se o paranóico supremo quisesse. E, no final, ele se gabava de haver envenenado  Stalin em 1953, contando aos membros do Politiburo que havia salvo a vida de todos, o que provavelmente era correto. Sua alegria durou pouco.  Apavorados com seu poder  eles prepararam uma armadilha e o chamaram para uma reunião. Quando entrou na sala foi acusado por Kruschev de pretender mata-los. Imediatamente o marechal Zukhov entrou na sala com alguns soldados, ele foi dominado e levado para um porão. Quando viu que ia ser fuzilado gritava  com tanto medo que  tiveram que encher sua boca com trapos. Até hoje permanece uma incógnita se realmente foi o responsavel pela morte de Stalin, ou  apenas se aproveitou da situação para posar de heroi. Estando  à frente da Polícia Secreta, a KGB, iria se tornar  o novo soberano das URSS.  Se isso acontecesse realmente mataria todos os seus antigos colegas.

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Perfeita a minha entrada na Praça Vermelha. Pego logo uma demonstração pela volta do comunismo. Umas cem pessoas. Fotografo um homem carregando um retrato do Stalin. O coitado estava acostumado a ser um escravo que recebia a comidinha todo final de mês após passar algumas horas em filinhas quilométricas. Agora que não existe mais o comunismo ele não consegue se adaptar.

Ofereceu-se um guia bêbado e eu aceitei. Dou sempre uma chance aos destituídos. Ele é dramático e conspiratório. Está sempre olhando para os lados, e de vez em quando me conta alguma coisa secreta. O desgosto que sente quando me diz que Stalin e o comunismo destruíram belíssimas obras de arte russas é sincero. Fez-me comprar um pequeno folder de fotografias antigas do Kremlin, onde se podem ver muitos e muitos edifícios que Stalin mandou derrubar. É realmente uma tragédia.

Eu e o meu guia altamente alcoolizado, o Igor, resolvemos tomar vodka Stollychnaya e Fanta. Estamos comendo salmão e caviar também. Um gole de vodka, um gole de fanta, nada de misturar. É ótimo. Tudo em pé, num lugar chiquérrimo ao lado da Praça Vermelha. Quando eu conto que estive com Yuri Gagarin, que trocamos aperto de mão e tapas nas costas, os olhos dele brilham. Depois que o império desabou restou o Gagarin. É disparado o maior herói russo moderno. O Igor ensaia uma teoria conspiratória, falando baixinho sobre a morte do Gagarin, mas eu corto logo. Conheço a história. ( Gagarin é a única pessoa em toda a minha vida de quem eu gostaria de ter o autógrafo).

O metro é limpíssimo, lindo e vazio, sem propagandas, sem poluição visual. Subindo as escadas rolantes você não é obrigado a ficar vendo e lendo aqueles outdoors cansativos. Algumas estações parecem galerias de arte. (Stalin fez questão que fosse assim) Os vagões são velhos, bonitos e rápidos. Também não tem empurrão, ninguém correndo feito doido como se fosse tirar o pai da forca. Aquelas corridas no metro de Londres são neurose pura. Se você segurar o doido e perguntar por que está tão apressado ele não vai saber responder. Na verdade ele corre para se dar importância, como se tivesse coisas urgentíssimas para fazer.

Estou encantado com Moscou. Prédios lindos. Ruas larguissimas, onde todo mundo dirige feito doido, feito adolescentes. Cantar pneu na curva é a marca registrada daqui, da mesma maneira que no Cairo é buzinar. Os carros ou estão caindo aos pedaços ou São Mercedes, BMW, Audis, novíssimos.

O que nos levou a acreditar que aquela velharia sinistra que aparecia de vez em quando nas paradas militares do primeiro de maio eram os bons, os certos, os que estavam defendendo a justiça? Do outro lado tínhamos, ao contrário, os jovens bonitos, como os Kennedys, ou as fisionomias corretas de homens como Eisenhower, Bush , Reagan. Caras magros, esportivos, com filhos, noras, netos. Que fenômeno psíquico incomensurável nos levou a acreditar que os comunas, aqueles homens com aquela linguagem corporal terrível, aquelas barrigas monstruosas, aqueles rostos que só mostravam medo e maldade, tudo em cor negra e cinzenta fossem os realizadores do destino final do homem, fossem afinal o que estavam fazendo a história definitiva do ser humano, libertando-o de milhares de anos de tristezas e injustiças? A gente só começou, a saber, que essa corja era casada quando apareceu o Kruschev com aquele bagulhaço. Mais tarde, muito mais tarde, o mundo ficou espantado quando viu a FILHA do Gorbachev. Alguém que não fosse doente poderia gostar desses caras?

Nós, os babacas. Nós os que acreditávamos nessa raça imoral, terrível, que é a intelectualidade. Sim, porque quase todos os intelectuais do mundo eram, e são, de esquerda. Uns poucos heróis discordavam. E nós fizemos um barulho infernal por décadas e décadas, e a maioria silenciosa só ouvindo, só ouvindo, igualzinho ao meu pai, que, na sua lucidez agreste, parou de falar, eu acho, porque não aguentava mais a arrogância e estupidez minha e de meu irmão. Jean Paul Sartre negou-se a condenar Stalin. Mas que filho da puta! E todo mundo se babando por ele até hoje. Eu, quando era jovem, nunca imaginei que a inteligência pudesse conviver com a total falta de lucidez. Talvez as pessoas mais inteligentes do mundo sejam de esquerda.  E não percebem nada do que está acontecendo.

Estão aí as russas. Vestidos apertadíssimos, muito bonitas andando pelas ruas. Não era para ser assim. Elas deveriam ser gordas e estar com uma vassoura na mão o tempo todo. Deveriam ser tristes e não olhar para os decadentes turistas imperialistas ocidentais.

Moscou consegue ser linda sem ter árvores.

Estou vendo os moscovitas indo trabalhar. Muito bem arrumados. Não adianta comparar com o Brasil. Por mais pobre que seja isso aqui, o que foi que houve com o Bananão ? Depois de toda a miséria do comunismo, fronteiras fechadas durante décadas, tortura full time, todo mundo aqui é muito mais bem arrumado do que no Brasil. Moscou é uma cidade européia. Todo mundo limpinho, não tem nenhum anão, nenhum negrinho andando de barriga de fora. Não estou comparando Moscou com o vale do Jequitinhonha em M.Gerais. Estou comparando é com São Paulo, que faz parte da Bélgica na Belíndia.  Como é que tem tanta obra nas ruas de Moscou? Como é possível a cidade ser tão bem cuidada? Por que será que só o Brasil não tem dinheiro para fazer nada? Mas que roubalheira.

Os guardinhas são grosseiros. Eles ficam desesperados porque não falam nenhuma palavra de inglês, então ficam olhando no seu olho, com uns olhos muito azuis,e aí perdem a cabeça e dizem NIET! NIET! para qualquer coisa. Hilário.

Fico o tempo inteiro andando pelo Kremlin. Agora me defronto com uma monstruosidade moderna que ninguém vai me dizer que não foi o Oscar Niemeyer que construiu nos tempos em que ele era um VIP no império soviético. É igualzinho ao Tribunal de Justiça de Brasília. Um imenso auditório para o Partido nos seus grandes momentos. Um trabalho péssimo, principalmente porque você compara com a maravilhosa arquitetura dos palácios que estão em volta.

Passando em frente ao melhor hotel da cidade, o Nacional, eu vi alguns negros andando com aquele balanço característico de americanos. Um deles levava um estojo onde imaginei estar um saxofone. Cheguei perto e perguntei se eram de alguma banda. -“Sim, nós tocamos com o Marsallis.” Puxa vida! Com Marsallis, o grande trumpetista, sucessor de Mile Davis! – “E onde vão tocar?” – “Sete horas da noite, hoje, no Kremlin”.

Impossível imaginar alguma coisa mais chique. Iam tocar no Kremlin, e junto com a Orquestra Sinfônica de Moscou. Às sete horas lá estava eu, dentro do auditório do Oscar. Tudo sensacional. Espetacular. Mulheres muito arrumadas, muito pintadas. Sempre com vestidos justos, ou decotados. Seguras, desenvoltas. Os homens medíocres, inexpressivos ao lado delas.

Todo mundo é muito gentil. Quando sabem inglês tentam realmente ajudar. Esforçam-se, andam junto, quase levam você até o destino. Nos restaurantes é claro que não existem os pavorosos garçons do Bananão, aqueles caras suando, olheiras imensas, tristes, puxa-sacos, vestidos feito pingüins. Da mesma maneira que em todos os lugares civilizados aqui você é servido por moças bonitas.

O homem quando quer se acalmar procura a água. Procura um rio, procura um lago, o mar. É o que eu estou fazendo agora. Estou indo para o lado do rio Moscou. Vou passear de barco.

O rio é limpíssimo, maravilhoso. Duvido que continue assim. Ainda é reflexo do terror. Provavelmente ia para a Sibéria quem jogasse um papelzinho nele. Agora estou vendo o lindo parque Gorki e, lá na frente, quando o rio faz uma grande curva, a universidade de Moscou com mais um gigantesco prédio stalinista. São sete prédios iguais a esse em toda a cidade.

O Marechal Zuhkov está aqui, perto de mim. Conseguiram, afinal, colocá-lo na praça Vermelha. Foi o herói da defesa de Moscou na Segunda Guerra Mundial, e também quem primeiro entrou em Berlim. O seu cavalo está pisando várias bandeiras nazistas. Zuhkov foi “reabilitado” alguns anos depois que Stalin morreu, (essa palavra estava o tempo todo nos jornais; sempre havia um dirigente comunista “caindo em desgraça” ou sendo “reabilitado”). Muito bonita a estátua. Ele foi odioso,  vil , ao permitir que seu exército estuprasse as berlinenses. Fingiu que não estava vendo. Em toda a Alemanha foram 2,5 milhões de mulheres estupradas. Muitos maridos as abandonaram, 10 mil mulheres se suicidaram, 150 mil ficaram infectadas. (Não venham me dizer que o exército alemão fez a mesma coisa porque não é verdade. Os generais alemães eram outra gente.) Stalin se divertiu muito com os estupros, dizendo que os seus meninos haviam dado muito prazer para velhotas alemãs. Quando as tropas estavam cercando Berlim, moças e rapazes decidiram acabar com suas virgindades, desesperados com o que viria a seguir. A esquerda até hoje esconde todos esses fatos. Posso sair em qualquer lugar do mundo com um botton da foice e o martelo, uma camiseta estampada com o Lênin , ou de outro assassino, o maldito Che Guevara, mas nem pensar em colocar uma suástica no braço. Serei preso, ou espancado, depois de dar dez passos na rua.

Quando a guerra acabou Stalin mandou chamar Zukhov. Perguntou se ainda montava a cavalo, já que era um oficial da cavalaria. Zukhov respondeu que sim. Stalin então disse que ele iria comandar a Parada da Vitória, em cima de um cavalo branco, “ muito bonito”. Foi uma enorme surpresa, pois o comandante deveria ser o próprio Stalin.- “ Mas… mas, não vai ser o senhor? ” –  gaguejou o marechal .  O Farol da Humanidade não aceitou recusas e o despachou. Nos corredores Zukhov encontrou o general Vasily Stalin, um dos filhos de Stalin, e falou sobre a inacreditavel honra que lhe fora concedida. O rapaz perguntou se era um garanhão branco. – “ Sim, por que?” – “ Puxa, o cavalo é indomável, bravíssimo. O Pai ia comandar a Parada com ele mas foi derrubado e machucou o ombro,  ontem mesmo. Por favor, não conte isso para ninguém”. Zukhov foi correndo domar o cavalo, montando todos os dias para não cair de bunda durante a parada, o que era exatamente o desejo de Stalin, que já detestava a sua popularidade.

Vocês podem ver a fotografia de Zukhov à frente das tropas. Reparem nas rédeas curtas, corpo para frente, tentando segurar o cavalo indocil. Tenho a impressão de que as patas dianteiras sairam do chão. Sensacional, não ? Imaginem a torcida de Stalin para ele cair.

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Estou em frente a KGB na famosa rua Lubianka. Muito impressionante. O edifício símbolo da maldade, da tortura, do desespero. O símbolo do comunismo. Tão importante quanto os nomes de Lenin e Stalin. Tiraram a estátua do carniceiro Feliks Dzherzhinsky de frente do edifício e despacharam para um lugar que infelizmente eu não vou ver, que é um cemitério de “estátuas que caíram em desgraça”. Dzjerzhinsky foi o primeiro chefe da NKVD, ( KGB), a Polícia Secreta. Um bolchevique do inicio da revolução, da mesma turma de Lenin, Trotsky, Stalin.

Lenin, “O Homem Perfeito”, ficou careca aos vinte e dois anos de idade. Isso explica tudo. Claro que foi a careca dele que desgraçou a vida de centenas de milhões de pessoas. Stalin, “O Farol da Humanidade”, foi diferente, ele já nasceu completamente perverso, feito e acabado.  Perto dos dois eu considero Hitler um cara sensível ao sofrimento do próximo. Eu tenho certeza que o livro de Lenin “O que fazer? ” refere-se ao seu desespero com a careca e não tem nada a ver com comunismo.

Passo todos os dias em frente ao maravilhoso Bolshoi. É o meu caminho para o Hotel Budapest. A recepção no hotel é só de mulheres. Duas, três, quatro, se revezando para me causar surpresas agradáveis. Todas louras, de blusa branca rendada e saia preta, todas bonitas.

Depois de haver visitado Moscou sinto que eu gostaria de ser um sovietólogo. Não deve ser ruim viver no ex-mundo comunista. A escravidão preservou o passado em termos de não destruir as coisas bonitas porque não havia dinheiro para construir nada; tudo ia para a indústria pesada. Destruíram sim, o que era escandalosamente ligado à aristocracia e ao clero. Igrejas, monumentos e tesouros. O que Stalin construiu vai continuar por alguns anos a ter o charme do terror, e, portanto, não me desagrada. Nós temos um bom exemplo dessa arquitetura stalinista no ministério da Fazenda, no Rio. O que veio depois do Stalin é que é péssimo. É o Oscar Niemeyer. Agora eu estava vendo um edifício que corta a perspectiva da Praça Vermelha. O Igor me disse que houve protestos e blá, blá, blá, aquele negócio a que nós no Bananão estamos acostumados e que não dá em nada.

Hoje eu vi a múmia do Lenin, o santo. Olhei bem para a cara do carrasco. Muito impressionante. Um lugar muito solene. Que atrevimento o dele pensar que estava salvando o mundo! Tão corroido pela ideologia que pediu licença ao Comitê Central do Partido para se suicidar quando estava num processo de doença terminal. Stalin negou. Queria que ele sofresse ao máximo. Claro, naquele mundo insano a maldade reinava absoluta. Provavelmente os caras chutavam cachorro, batiam nos filhos, mulheres e amantes. Chicoteavam a si próprios, escondidos no banheiro.

Atrás do mausoléu do Lenin estão os túmulos dos grandes heróis da União Soviética. O que tem mais flores é o do Stalin. Tudo é escrito exclusivamente em russo. Muito bem. Nada de inglês. O inglês tiraria a seriedade do monumento.

Você não pode parar de andar enquanto vê o Lenin. É proibido. Tudo escuríssimo, somente a figura dele iluminada, e você entra, tem a primeira visão de lado, circula, vê de frente, de lado outra vez e sai da tumba. Claro que eu parei. Fingi emoção extrema e que estava coxeando de uma perna. O guarda falou comigo, também não ouvi, (nem vi quem era) continuei parado, ele chegou e gentilmente pos a mão no meu ombro. Fui me mexendo feito uma lesma. Continuei capengando e ofegante até a saída.

Eu gostaria de entrar na tumba do careca outra vez, mas nesse caso teria que circular toda a praça. Eu teria que andar, por baixo, uns três quilômetros. Nesse calor não dá. Sempre prometo a mim mesmo não viajar no verão, mas nunca consigo cumprir.

O monumento da 2ª guerra mundial é bonito e simples. O grande espaço lhe deu monumentalidade, mas tive um sentimento de que é insuficiente porque morreram vinte e dois milhões de russos.

O calor é tanto que os carros russos estão quebrando no meio da rua. Fervendo. Devem ser os Ladas. Já vi uns doze. Ninguém presta atenção.

Esse país se transformou no terror do mundo, se transformou numa potência nuclear por causa da alocação de recursos. Mataram a população de fome para construir a indústria pesada, e mais tarde para construir os mísseis. Assim até que é fácil. Só Stalin matou 30 milhões. Por quê a segunda potência nuclear não foi a Suécia, a Inglaterra, por exemplo? Simplesmente porque o povo não deixaria. Os países democratas fiscalizam por meio do congresso, ou de outras maneiras, para onde vai o dinheiro. Ar condicionado, televisão, belas roupas, férias remuneradas, carros, viagens, restaurantes, auto estradas fenomenais. Essa foi a escolha do mundo ocidental. Os Estados Unidos conseguiram as duas coisas, o bem estar e a indústria bélica. E se eles estavam fazendo isso porque os europeus ocidentais iriam se sacrificar? Usaram o guarda-chuva atômico dos americanos. E hoje, depois de tudo, ainda  detestam o país que os salvou da Alemanha nas duas Grandes Guerras, e da Rússia na Guerra Fria. É preciso levar em conta a lavagem cerebral esquerdista – junto com uma boa dose de  Freud – para explicar a estupidez desse comportamento.

As exceções para a alocação de recursos na URSS e satélites eram os esportes, dança e correlatos. Estavam sempre ganhando um monte de medalhas nas competições. Igualzinho Cuba, que é miserável, mas aonde não faltam troféus. Claro, propaganda pura. Para impressionar os babacas esquerdistas do lado de lá da cortina de ferro. “De Stettin, no Báltico, até Trieste, no Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente.” (Churchill) . E o pior é que hoje sabemos que o dopping corria solto. Desde as nadadoras recordistas alemãs orientais, passando pela ginasta Nadia Comaneci , da Romênia, do cubano Javier Sotomaior, campeão mundial do salto em altura, todo mundo dopado. Para a esquerda honestidade não conta muito, para as extrema esquerda não conta nada.

A gente chega a Moscou e se pergunta: como é que isso aqui pode ter posto o planeta trêmulo de medo? Como é que eles dominaram metade da Europa? Quando você vê um alemão você entende porque eles quase dominaram toda a Europa, inclusive a Rússia. Quando você vê um russo… São meio jecas… não sabem nada, esses carros caindo aos pedaços, esse povo tímido. Claro que não era o povo. Era apenas o Partido Comunista. Era apenas a Nova Classe, os burocratas esmagando os russos e seus pobres satélites, criando armas, aterrorizando em nome da igualdade social. Um belo dia acabou. Um belo dia, ao vivo pela televisão, o Yeltsin atropelou o Gorbachev. Passou por cima do ombro dele, deu-lhe um meio empurrão, falou algumas grosserias, mexeu nos papéis que ele estava lendo e disse que a partir daquele momento o partido comunista era ILEGAL. O Gorbachev ainda gaguejou: -“Mas…tavaristch  Boris…, isto é muito irregular”. INACREDITÁVEL! Eu estava deitado assistindo televisão, lá na Academia de Tênis, na capital stalinista do planalto central. Foi o único império na história que se desmanchou sem uma guerra.

Moscou foi uma ótima escolha. A cidade está vibrando, pegando fogo. Todo mundo vivendo intensamente. Até a Máfia é interessante. Hoje eu aluguei um cavalo e dei uma voltinha em plena cidade. Eu fico pensando nessas mulheres de Paris, de Londres. Elas estão vivendo das homenagens do passado. Acabou a emoção de vê-las pelas ruas. Que diferença para as mulheres de Moscou. Aqui é tudo novidade. Elas estão se descobrindo. Estão lindas. São asiáticas misturadas com Europa. E os homens estão perdidos. Parece que a guerra foi ontem, só tem mulher andando nas ruas. E é interessante: os homens não são tão bonitos quanto as mulheres. Eu quero dizer que na Itália você vê que as mulheres são bonitas e os homens também.

Aqui existe uma rua que leva o nome de um menino de 14 anos que denunciou o pai e a mãe que estavam escondendo comida para não morrer de fome. Isso nos tempos do “Farol da Humanidade”. Que coisa pavorosa. Acontece que tempos depois alguns parentes tiveram a coragem de matar esse carinha ordinário. Ele virou mártir. Herói nacional. Até agora não tiraram o nome dele da rua. Não tiveram tempo. É muita coisa pra fazer. Bem, eu me lembrei desse caso porque eu vivi essa história. Papai e mamãe me contaram para mostrar o que era o comunismo. Eu era pequeno e acreditei. Mais tarde, ficando dia a dia mais bobo, passei a achar que era outra das muitas mentiras contra a União Soviética, tipo os comunistas comem criancinhas. Passei a debochar dessa história. Por isso é que os pais perdem a paciência com os filhos e vão ficando cada vez mais quietos, amarguradamente silenciosos.

No museu Pushkin você tem as esculturas do Moisés, a Pietá, o David, Perseu e muitas outras. UMA DO LADO DA OUTRA. Todas as esculturas famosas do mundo. Cópias terríveis feitas de massa cinza. Isso mesmo. Como os escravos eram proibidos de cruzar fronteiras, Stalin mandou fazer as estátuas para que eles pudessem apreciá-las sem sair de casa. Que tal? Sei que era um costume antigo, inclusive de outros países, para que o povo pudesse ver as obras de arte. Mas na Rússia ganha uma conotação especial. Eu quase vomitei porque não conseguia achar a saída do museu e toda a hora passava em frente das malditas cópias.

Agora eu estou fazendo hora para embarcar para São Petersburgo, Fico assistindo a BBC. Estão falando sobre a China. Todo mundo com medo da China. Nossa, os chineses não aceitam nada que é pedido pelas autoridade monetárias mundiais e blá, blá.blá.  Imaginem se eles roubaram algum segredo atômico, (logo os chineses que são tão honestos) Agora decidiram se armar. Maravilha, então vamos armar os japoneses. Vamos apavorar os chineses. Jamais conseguiram enfrentar o Japão, e não vai ser agora. Eu fico ouvindo. Vai acontecer a mesma coisa que aconteceu com o império soviético. Vai acabar. A diferença é que vai ser aos poucos. Passo a passo.

Finalmente eu estou viajando num Tupolev, o famoso avião russo, o “Jesus está chamando”. Estou indo para S. Petersburgo. Pela janelinha eu vejo um outro avião ainda com a foice e o martelo pintados no leme. Quem diria que tudo isso iria para lixo… (Parece que Putin resolveu ressuscitar a foice e o martelo em alguns lugares)

O rio Neva é imenso, lindo. Dizem que coberta de neve St. Petersburgo é a cidade mais bonita do mundo. Sem palavras para descrever o Palácio de Inverno. São Petersburgo ficou 900 dias sob o cerco das tropas alemãs. Morreram um milhão de pessoas de fome, frio, e doença. Cinqüenta pessoas se suicidavam por dia. Hitler planejava dar um banquete de vitória no hotel Astória, que é onde estou hospedado. Provavelmente ele sabia mais sobre a arquitetura desse lugar do que os próprios donos. Tirei fotos de alguns dos seus salões. Ocioso dizer que o hotel é mais do que chique.

A Máfia é hilária. Tudo na cara da polícia. Carros Mercedes, BMW. Os seguranças são caricatos no comportamento, mas completamente diferentes do tipo que conhecemos no cinema. Muitos são louros, com cabelo escovinha. Parecem mariners.

Estive na terrível prisão onde até  Trotski ficou. Passei pelo portão do Neva, o Portão da Morte, por onde os prisioneiros saíam para pegar o barco e serem enforcados.

É claro que os comunas não poderiam gostar de S. Petersburgo. Era um lugar aristocrático demais. Todo mundo interessante morava aqui. Artistas, poetas, músicos. Arquitetura imponente. Palácios, o rio Neva, os canais. Tudo bonito demais. Dostoievski, Rimsky Korsakov, Tchaikovsky, Mussorgsky, Putskin, Tolstoi, Gogol, Glinka, e todos os outros dos quais nós já ouvimos falar. Tudo era em S. Petersburgo. Lenin, com sua careca, tinha que odiar a cidade. E no fim os canalhas mudaram o nome para Leningrado!

Entrando na fortaleza eu ouço uma voz maravilhosa de alguém cantando. Uma moça completamente sozinha. Fiquei ali ouvindo. Que lindo, meus parabéns, você é profissional? Vai cantar amanhã no coro da igreja de St. Andrews? É claro que estarei lá, muito obrigado pelo convite.

Fui ouvi-la na igreja, ficamos amigos, passeamos de charrete e ela mostrou lugares que eu nunca descobriria sozinho. Cantou outra vez ao lado de um palácio, recitou para mim um poema de Putskin. Só isso. E foi muito.

Quero ir para o outro lado do rio? Resolvo pegar uma lancha que eu nem sei se é para alugar. – “Mas…, é só o senhor? Vai ser muito caro! ” Vamos lá, meu jovem. Nada é caro bastante para o brazilian milionaire! Aqui estou eu na lancha, sozinho ao sol, singrando o Neva mais uma vez.

Em St. Petersburgo existe a estátua do carrasco da NKVD que eu não consegui ver em Moscou. O lugar é inexpressivo, meio perdido na cidade. Quando eu pedi ao chofer de táxi que parasse para eu fotografar ele fez uma cara de curiosidade, não entendeu o que eu queria. Quando viu a estátua abriu um sorriso: – “Ah, é o Dzherzhinskyi” como quem diria: “Ah, o Chacrinha.” Falou como se fosse qualquer coisa folclórica. Quer dizer, reduziu o açougueiro à expressão mais simples. Ele deve ter pensado: – “Ah, o turista quer fotografar o nosso monstrinho”. Quem poderia imaginar…

O piloto deve morrer de vergonha de chegar a Londres com esse Tupolev caco velho, estacionando no meio dos outros aviões superpoderosos. Gostei dele quando disse no microfone: – “Ladys and Gentlemen, Girls and Boys,”….

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23 dezembro, 2009 às 18:06

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Categoria: Artigos

Comentários (6)

 

  1. Volnei Cecon disse:

    Gostei demais da tua experiencia vivida em terras russas, eu mesmo com minha esposa e filho, estive visitando Moscou no mes de abril desse ano e constatei praticamente tudo que aqui relatas, com pequena divergencia quanto a beleza da cidade, com muita poluição, transito transloucado, sem regras, estacionamento em cima de calçadas, lote do vizinho se tiver vago etc….lembrou-me de imediato a antiga cidade fronteiriça Porto Strosner no Paraguai,realmente veiculos dos mais luxuosos e modernos junto a cacarias antigas Ladas e Samaras, me decepcionei um pouco com a Catedral São Basilio por dentro, mal cuidada,quase caindo aos pedaços.Visitei também o SALAME NACIONAL do nanico Lenin em seu Mausoléu,se tocar deve esborachar de podre, estende-se o tapete vermelho pra entrar e em cada canto dá de cara com um russovski de 2 metros de altura com uma kalanikov no ombro e ande sem parar.Agora com certeza em Moscou vivem as MULHERES MAIS LINDAS DESSE PLANETA, simplesmente lindas, elegantes a qualquer hora e a qualquer momento,nada de babuska.Gostei demais do convento NOVODEVICH, onde IVAN o terrivel confinava a parentada especialmente as manas que queriam derrubá-lo.Parabéns pelo blog, gostei demais.

  2. jovan augusto disse:

    gostei muito de suas fotos mas eu estava procurando fotos da periferia da russia mas nao deixa de ser otimas suas fotos parabens

  3. Kalynara disse:

    Suas colocações sobre a Rússia foram excelentes e engraçadas. Parabéns!!!

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