Bravatas de Lula e o leilão de Belo Monte (Luiz Carlos Mendonça de Barros)

Para ter êxito no leilão de Belo Monte, o governo usou os mesmos instrumentos que condenava quando estava na oposição a FHC


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 67, engenheiro de produção pela USP e doutor em economia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é colunista da Folha e economista-chefe da Quest Investimentos

O RESULTADO final do leilão da concessão da hidrelétrica de Belo Monte permite avaliação profunda dos chamados anos Lula.
Nesse ato do Executivo estão presentes questões políticas, administrativas e, principalmente, de comportamento ético e moral que precisam ser devidamente entendidas. A mídia centrou sua cobertura nos detalhes técnicos mais pontuais, como a questão ambiental, a questão financeira e a questão de viabilidade técnica da concessão.
Na esteira do debate que vai se seguir, certamente estarão presentes reflexões de natureza mais abrangente. Essa é a dinâmica natural em uma democracia aberta, como a brasileira. É com esse objetivo que escrevo hoje sobre o leilão de Belo Monte. Por ter participado como ator do processo de privatizações no governo FHC, creio ter uma contribuição muito particular na avaliação da ação do governo no caso de Belo Monte.
Durante mais de dez anos estive envolvido em uma série de procedimentos -no nível administrativo do Tribunal de Contas da União e no legal em vários níveis da Justiça brasileira- em relação às regras que a Constituição brasileira estabelece no caso da alienação de bens públicos, e meus comentários a seguir nascem exatamente desse caráter especial de minha relação com as privatizações.
O que mais chama a atenção neste caso é que, na busca de realizar com êxito o leilão de Belo Monte, o governo usou os mesmos instrumentos operacionais que condenava quando estava na oposição ao governo FHC.
Interferiu diretamente na formação dos consórcios, manipulando o comportamento dos fundos de pensão públicos, pressionando empresas privadas como a Vale para participar da licitação e até colocou o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) como agente ativo do processo.
Foi ainda mais longe em sua ação para viabilizar o leilão: deu isenção de 75% do Imposto de Renda para o empreendimento e mandou o BNDES financiar 80% do valor do investimento. O leitor da Folha precisa saber que, nas normas operacionais do BNDES, o valor do financiamento de qualquer projeto pode chegar no máximo a 60% do total.
Quando Lula e o PT usavam -como confessou mais tarde nosso presidente- bravatas para pressionar o governo tucano, todas essas ações eram apontadas como um crime contra a Constituição.
Alguns juristas engajados na luta política da oposição de então nos acusaram -publicamente- de estarmos quebrando o princípio da impessoalidade ao agir de tal forma. Segundo eles, o governo tinha que ser isento, deixando que os interessados no processo agissem de forma totalmente livre. Aliás, foi a partir desse entendimento legal que vários procuradores federais iniciaram processos judiciais contra nós.
E agora, como caracterizar esse arsenal de ações do governo para viabilizar a concessão de Belo Monte? Onde estão os juristas que foram a público acusar de maneira incisiva os ilícitos cometidos pelos membros do governo FHC responsáveis pelas privatizações? Terão eles a mesma leitura de Antonio Gramsci, de que, no caso de um governo popular, todas as ações na busca do poder político em nome do povo são justificáveis?
Vou ainda mais longe nos meus questionamentos: será que, após executarem as mesmas ações que condenavam no caso de FHC, vão os petistas trazer novamente as denúncias contra as privatizações tucanas nas eleições que se aproximam? Vão ainda falar na privataria tucana?
Os responsáveis pela realização do leilão de Belo Monte não correm, todavia, os riscos de serem processados na Justiça como fomos nós em 1998.
Recentemente, o Tribunal Regional Federal de Brasília confirmou -por unanimidade de seus membros – a decisão da Justiça Federal de primeira instância que considerou absolutamente legais os procedimentos adotados pelo BNDES na privatização da Telebrás em 1998.
Temos agora uma jurisprudência formada sobre como deve proceder o administrador público em casos como o leilão de Belo Monte.
A tese de quebra do princípio da impessoalidade, levantada pelos juristas petistas em 1998, não passou de uma justificativa muito pobre e oportunista para permitir a luta política contra o governo Fernando Henrique Cardoso. Que a opinião pública seja mais uma vez lembrada disso.

18 abril, 2010 às 13:32

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Categoria: Artigos

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