Continuação do artigo anterior: O patético depoimento do general Assis Brasil, Chefe da Casa Militar de Jango, sobre o golpe militar de 1964

nota do blog: Raul Ryff (Partidão), era Secretário de Imprensa de Jango. Seu filho, Tito Ryff (ex-Partidão), me contou que chegando ao Palácio do Planalto viu o general Assis Brasil sozinho, em pé, esperando o carro. Ele estava imponente, usava uma capa negra de couro e batia calmamente as luvas na palma da mão. A figura passava tanta segurança e confiança que Tito sentiu-se protegido. Afinal, era o general que comandava o esquema militar que sustentaria o presidente contra qualquer arrepio dos descontentes.

O homem que levou Jango para o exílio.
(Reprodução da entrevista dada pelo General Argemiro de Assis Brasil à revista ELE ELA, maio de 1980)

O general Assis Brasil desempenhou cargos importantes no Exército, chegando a General-de-Brigada. Foi membro da Missão Militar Brasileira de Instrução no Paraguai, de 1950 a 1953. Em Asunción foi instrutor e professor de História no Colégio Militar Mariscal Solano López, equivalente paraguaio da nossa Academia Militar das Agulhas Negras, onde substituiu o General Golbery do Couto e Silva, com quem sempre manteve boas relações de amizade. Era Adido Militar à Embaixada do Brasil em Buenos Aires quando foi chamado para ser Ministro Chefe da Casa Militar do Governo João Goulart, a quem acompanhou nas duras horas que precederam e sucederam o movimento militar de 1964. Preso, cassado em seus direitos políticos e demitido do Exército, o General Assis Brasil recebeu a anistia das mãos de João Figueiredo, filho do seu ex-comandante na Revolução Constitucionalista de 1932, Coronel Euclides, com quem foi exilado.

De fala mansa, pausada, gestos largos dos homens dos pampas, faz questão de afirmar que é um gaúcho e um militar que honra os seus princípios. Atualmente, vive modestamente em Canoas, cidade da Grande Porto Alegre, e faz parte da comissão organizadora do Partido Trabalhista Brasileiro. De respostas diretas, queixa-se da Lei da Anistia que, para ele, foi drástica. Quer ter seus direitos reconhecidos e ser reformado no Exército como General-de-Divisão, patente que teria merecido se não fosse cassado na primeira lista da Revolução em 1964.

ELE ELA – Até assumir a chefia da Casa Militar no governo João Goulart, em 17 de outubro de 1963, o senhor tinha se encontrado poucas vezes com o ex-presidente. Como o senhor chegou a esse cargo?

ASSIS BRASIL – Vi Goulart apenas duas vezes antes dele me convidar para a chefia da Casa Militar. Eu era Adido Militar em Buenos Aires. Ao assumir, fixei alguns princípios: primeiro, que os caminhos dos negócios não passariam pela Casa Militar; segundo, que a Casa Militar não seria uma agência de emprego; terceiro, que não trataríamos de política; quarto, que eu não seria um superministro e faria todo o possível para manter uma perfeita harmonia entre os ministros militares e o presidente da República. Além disso, que defenderíamos a todo o custo o interesse nacional e a soberania do país. Depois, que a Secretaria do Conselho de Segurança Nacional e o órgão de informações, deveriam pautar a sua conduta em perfeita harmonia com as seções de informações dos ministérios militares. Para isso, deveria haver entre esse órgão e aquelas seções a mais íntima ligação. Outro princípio que adotei foi o de não colocar na Secretaria do Conselho de Segurança Nacional e na do Gabinete Militar nenhum oficial que não tivesse o beneplácito dos respectivos ministros.

– Qual a influência que o senhor exercia junto ao Presidente? Alguns o acusavam de ser uma espécie de superministro.

– Sempre procurei não interferir nem influenciar nas decisões de Jango. Dava a minha opinião quando ele pedia, mas isso ocorria muito raramente. No comício da Central do Brasil, no dia 13 de março de 1964, por exemplo, participei porque era meu dever estar junto do presidente, assim como alguns oficiais. Mas adverti aos meus subordinados que deveriam ir apenas aqueles que quisessem, por uma questão de segurança do chefe de estado.

– Naquela ocasião, Leonel Brizola discursou e Jango não gostou do que ele disse. Como foi isso?

– Ouvi mal os discursos porque os alto-falantes projetavam o som para a frente e eu estava atrás. Ouvi uma passagem do discurso do Brizola em que condenava o Congresso, e eu não podia estar de acordo com isso. Na saída o próprio presidente manifestou seu desacordo com as manifestações do Brizola. Na verdade o próprio Jango relutou muito em ir a esse comício. Ele foi surpreendido pelo fato de que o ex-governador do Rio Grande do Sul iria falar, tanto assim que demorou para ver se chegava lá depois de o cunhado ter discursado.

– Como foi a Revolta dos Marinheiros?

– Alertei o Ministro da Marinha sobre o que acontecia. Eu estava no Rio e viajei para o Rio Grande do Sul, onde se encontrava Jango. Ele se achava em sua fazenda em São Borja e eu havia deixado um avião da Varig, em Porto Alegre, pronto, à nossa espera. Ele não sabia de nada do que estava acontecendo. A situação era lamentável. Jango ficou louco da vida para ver como poderia resolver tudo. O I Exército tinha tomado conta do caso porque a Marinha estava acéfala. Ninguém comandava a Marinha, era uma bagunça. Havia informações de que vários marinheiros estavam desembarcando com armas na mão, que já estava havendo mortes. A situação era extremamente confusa. O Ministro da Guerra, General Jair Dantas Ribeiro, estava doente, operado. Portanto, o Ministério da Guerra também estava acéfalo. As ordens eram dadas pelo I Exército e eu não tinha conhecimento delas. Eles também pouco nos informavam. Foi empossado o novo Ministro da Marinha, Almirante Paulo Mário, com plenos poderes para agir junto aos amotinados. E o ministro os anistiou, o que foi um erro.

– No dia 30 de março, no Automóvel Clube do Brasil, houve a reunião dos sargentos…

– É. Tanto assim que era para eu ir a Brasília e o presidente me impediu, avisando que haveria uma homenagem para ele. Pensei: tem piolho na costura… Falei com o General Jair Dantas Ribeiro, e ele também não sabia de nada. O próprio presidente do clube negou a existência de tal festa. Avisei ao Presidente Goulart que era contra, que ele deveria ter cuidado. Mas ele queria aceitar a todo o pano e, afinal, a homenagem saiu. Antes, porém, os Deputados Tenório Cavalcanti e Tancredo Neves o aconselharam a não comparecer. Mas ele achou que se tomasse essa atitude pareceria um recuo. Os discursos foram extremistas, mas a culpa foi nossa, porque abandonamos os sargentos. Cuidamos dos oficiais, mas não dos sargentos.

– Não ocorreu ao governo que da data de 13 de março, Comício da Central do Brasil, e em 30 de março, reunião no Automóvel Clube, portanto em 17 dias, estivesse havendo uma conspiração?

– O presidente não recebeu a palavra de alerta de ninguém. O único general que o alertou para isso – não com veemência, mas como para um bom entendedor meia palavra basta… – foi o General Amaury Kruel, Comandante do II Exército. Mas ele estava perturbado com tudo aquilo. Não havia gostado dos discursos do Brizola. Jango era um homem conservador. Ele não casava com o cunhado. Achava o Brizola extremista e queria coisas que não se sabia onde iam dar. O Jango foi um homem que sempre teve poder, mas nunca governou, a não ser a sua estância. Esta ele governou muito bem, porque era um governo sui generis. Não é a mesma coisa governar um continente, e um continente que já vinha cheio de tormentas desde 1922. Ele não estava preparado para a função que desempenhou. Ele não foi eleito presidente, mas vice.

– Como era Jango?

– Um homem honesto, um grande coração, um homem que não fazia nada com maldade, amigo até dos seus inimigos, sem ambição de poder. Um homem rico, mas que não estava preparado. A culpa não foi dele, mas do sistema. Tinha um tino apurado para os negócios. Trabalhou desde os 14 anos. Nas estâncias, todos o respeitavam e não roubavam nenhuma de suas vacas, porque ele dava carne e comida a todos os peões e agregados.

– Como foi o 31 de março de 1964? Quais as suas recordações do dia do golpe militar?

– Eu estava no Palácio das Laranjeiras. Fui informado que tinha havido um levante na guarnição de Minas Gerais. Telefonei para o I Exército e perguntei o que havia. Responderam-me que tudo estava bem. Disse, então, que o serviço de informações deles estava muito ruim. Eles repetiram que não havia nada. Foi a primeira informação que tive. Passei a informação ao presidente. Ele me perguntou:
    – “Você acha que isso é verdade?”
Respondi:
    – “Acho, porque o General Olimpio Mourão Filho( Juiz de Fora) e o General Carlos Guedes(Belo Horizonte) estão conspirando há muito tempo.”
Ele falou:
    – “Vou telefonar para São Paulo, porque lá é a base da conspiração.”
Telefonou para o General Kruel e este disse que lá estava tranqüilo. Não assisti à conversa. Jango foi quem me contou. O General Kruel, disse, porém, que não concordava com o que estava acontecendo, que o governo deveria tomar posições mais duras. O presidente ficou desconfiado de que Kruel estivesse comprometido com o levante de Minas. E eu me sentindo criminoso, porque era amigo do General Kruel e, inclusive, o tinha indicado para ocupar o II Exército. O Jango, então, telefonou para o General Justino Alves Bastos, (Comandante do IV Exército,Recife) que disse estar com o governo. Em seguida, confirmou-se o levante de Minas. Os acontecimentos foram se desenvolvendo. Tudo muito ligeiro. O General Âncora informou haver tomado providências. O presidente chamou-o, e também ao Ministro da Aeronáutica, afirmando que ele não queria que houvesse choque de tropas, que parlamentassem, que jogassem boletins. Ele não queria derramamento de sangue. As coisas foram se desenvolvendo da maneira como todos sabem. O presidente tranqüilo, demonstrando aparente tranqüilidade, mas com certa aflição íntima.

– Os acontecimentos seguiram de que forma?

– No dia primeiro, Jango ficou sabendo que a fortaleza de Copacabana tinha passado para o outro lado, mas que a situação não estava perdida. Ele estava apreensivo e me chamou em seu gabinete:
    – “Você fica aqui e eu vou a Brasília.”
Era pouco depois do meio-dia, e ele me confessou que queria conversar com os políticos. O Palácio das Laranjeiras era um deserto. Só havia eu, um oficial e as tropas que tinham mandado para lá. Perguntei:
    – “O que vou fazer, presidente?”
Respondeu:
    – “Fica aqui em contacto com o Âncora e me informa sobre tudo o que está havendo.”
Ele tomou o avião e foi para Brasília. Uma hora depois de ele estar em Brasília, o General Âncora me telefonou e disse:
    – “A situação está preta! O Norte já aderiu à revolução. Minas está toda revoltada. O batalhão que mandei daqui passou-se para o lado dos revoltosos. O batalhão de Barra do Piraí passou-se também para lá. As tropas de São Paulo já estão marchando. Colocaram a Academia Militar (Academia Militar de Agulhas Negras) na vanguarda.”
O General Âncora perguntou:
    – “Vou meter fogo nesses cadetes?”
Eu disse:
    – “Não tenho autoridade para falar em nome do presidente, mas posso adiantar que ele não concordaria com isso.”
Respondeu:
    – “Fico contente, porque já decidi que não vou abrir fogo contra os cadetes, porque será um peso que não tirarei mais de cima de meus ombros – matar a mocidade militar da minha terra.”
Resolvi viajar também para Brasília.

– O que aconteceu em Brasília?

– Antes de ir para lá fiz uma reunião com os ministros militares e depois com os civis. O único que queria resistir era o da Marinha, justamente o que não tinha tropas. Mandamos embora as tropas do palácio para que não pensassem que queríamos resitir. Ficou só a guarda normal do palácio. Fui para Brasília, e o presidente estava no aeroporto. Eram cerca de oito horas da noite e havia um avião da Panair do Brasil sendo preparado. Jango iria para algum lugar. Ao chegar ao aeroporto, antes de falar com Goulart, disse aos oficiais da Casa Militar que fossem para seus postos e passassem os cargos aos substitutos. Ninguém falou em resistência entre os meus auxiliares. Um deles me perguntou:
    – “E o senhor?”
Respondi:
    – “Vou com o presidente, porque esta é a minha função. Não sei para onde ele vai, mas o meu destino, enquanto ele for vivo por aqui, está ligado ao dele.”
Fui ao encontro de Jango, que queria saber da situação.
    – “É má, porque no III Exército (Porto Alegre) não contamos com o Paraná nem com Santa Catarina. Porto Alegre está intacta, tem núcleo forte de forças. Militarmente dá para o senhor descer lá, mas não podemos pensar em resistência.”
Ele argumentou:
    – “Não estou pensando em resistir.”
Inventaram uma pane no avião da Panair e tivemos de tomar um Avro da Força Aérea.

– Em seguida, o que fizeram?

– Fomos para Porto Alegre. Chegamos pela madrugada. O General Ladário, que chefiava as tropas, estava nos esperando. O Ladário queria resistir, fazer uma gauchada. Jango me disse, depois, que Brizola também queria resistir, e até chorou. Deviam ser quatro horas da manhã.A guerra estava perdida, e eu fui dormir. Às nove horas me acordaram dizendo que Goulart me procurava. Informaram-me que o presidente iria embora. Fui ao encontro dele no aeroporto. No mesmo avião viajaram Jango, o Coronel Pinto Guedes, os dois ajudantes-de-ordens, eu e parece que o Capareli. Não me lembro bem. Fomos para a Estância Rancho Grande, em São Borja.

Maria Teresa já estava lá com as crianças. O presidente não sabia o que fazer, estava meio pateta. Eu disse:
    – “O senhor tem que sair daqui, senão vão lhe prender.”
Ele pediu que eu tomasse as providências. Chamei os oficiais, os dois ajudantes-de-ordens, o Pinto Guedes e mais um outro. Mandei que fossem de avião a Brasília, se apresentar. E avisei:
    – “Se perguntarem onde estou, digam que estou com o presidente e que vou sair com ele por aí.”
Organizei uma segurança, sem armas, só com vigilância, uns seis quilômetros em torno da fazenda, nas estradas que iam ter a ela e no campo, para que fôssemos avisados da aproximação de forças, de dia ou de noite. Havia três aviões: um C-47, um Cessna bimotor e um teco-teco. Um deles foi com os soldados, os outros mandei deixar abastecidos para qualquer emergência.

– E o Brizola?

– Ele ficou em Porto Alegre. Jango desligou-se dele. Chegou a me confessar:
    – “Não quero nada com o Brizola, nem com os cupinchas dele.”

– Mas o senhor, agora, é militante do PTB, justamente o partido do Brizola.

– Nunca fui de partido nenhum. Durante o tempo de Exército nunca participei da política, me limitei, apenas, como qualquer cidadão, a votar. Durante dez anos estive cassado, ou seja, até 1974, quando recuperei meus direitos políticos e, naturalmente, votei na oposição. Não pretendo exercer política partidária.

– Apesar disso, o senhor tem fortes vínculos com o PTB.

– Fui convidado a participar e ser presidente da comissão provisória do PTB de Canoas, município que faz parte da Grande Porto Alegre. Admiti participar, mas não aceitei a presidência. Fico na comissão, porém até o diretório ser formado. Depois me afasto. Agora, eu não encontrei o Brizola depois da sua volta.

– Voltando ao que o senhor estava contando sobre os dias do golpe: até quando Jango ficou em Rancho Grande?

– Nestas alturas, quis saber se ele tinha algum lugar para onde ir. Ele respondeu que sim. Tomamos o avião C-47 e fomos para um lugar que não tem nome. Era um rancho em uma de suas fazendas, na costa do Rio Uruguai, no meio do mato, onde existe um campo, no município de São Borja. A casa era rústica, de madeira. Não havia estradas por lá. Não havia ninguém, e possuía apenas um barco a motor. Escondemos o avião no mato. Nós fomos com o avião grande, e Maria Teresa e as crianças no pequeno. Não havia cozinheiro. Sou metido a cozinheiro, mas quem acabou fazendo a comida foi o próprio Jango – um ensopadinho de charque com mandioca. Maria Teresa lavou os pratos. Dormimos neste rancho, ele, a mulher, os filhos e eu.

– Como ficou a situação com vocês escondidos no mato?

– Disse a Jango:
    – “Não é que eu queira ir embora, estou ligado ao senhor até o fim. Mas que o senhor pretende fazer?”
Respondeu:
    – “Quero ir para o Brasil central, numa terrinha que tenho, para o Xingu.”
Fiquei preocupado:
    – “O senhor vai sozinho? Eu tenho que me apresentar porque, caso contrário, sou considerado desertor.”
Ele ficou naquela agonia, não sabia se ia ou não. Argumentei que ele seria preso, jogado numa ilha, em Fernando de Noronha. Falei dos filhos, da mulher. As crianças eram muito afetuosas. Apelei para os brios do homem – e ele nada… Teimava em ir para o Brasil central. Até que me perguntou qual era a minha sugestão. Sugeri o Uruguai. Jango disse:
    – “Vou, então, para a Argentina, porque é só atravessar o Rio.”
Expliquei:
    – “O senhor não deve ir, porque a gendarmeria o caça e o manda de volta. O senhor vai para o Uruguai!”
Ele disse:
    – “Quando eu chegar lá eles me prendem.”
Respondi:
    – “Não. Vamos primeiro mandar um homem a Montevidéu, com uma mensagem escrita pelo senhor.”
Ele então escreveu para um amigo falar com o governo uruguaio. Mandamos o piloto levar a mensagem e, no outro dia, ao amanhecer fomos para uma estância chamada Santa Lúcia. O piloto retornou e disse que o Uruguai receberia Jango de braços abertos. Não escreveram nada. Foi tudo de boca. O presidente ficou indeciso. Saímos daquela estância e fomos para outra chamada Cinamomo. Tudo isso por perto do município de São Borja, a 628 km de Porto Alegre.

– Quando foi tomada a decisão de exilar-se no Uruguai?

– No dia quatro de abril, na estância de Cinamomo, o presidente se convenceu de ir para o Uruguai. Nós dois, então, pegamos o Cessna. Nessa altura dos acontecimentos, só andávamosnós dois, porque largamos o pessoal na primeira estância. Tínhamos mandado a família dele, antes, para Montevidéu, depois daquele pouso na barranca do Rio Uruguai. O próprio Cessna que os transportou também levou a mensagem. Pelas três e meia da tarde do dia quatro, fomos para o Uruguai. Quando o avião sobrevoava Durazno, Jango disse que queria voltar para o Brasil. Daí, eu teimei:
    – “Não, senhor. Agora, não, vai embora. Já estamos em rumo de Querência, pertinho de Montevidéu, a uns dez minutos.”

– Como foi sua chegada?

– Fomos recebidos pelas autoridades e alguns populares bateram palmas. Não havia muita gente. Receberam-nos muito bem. Quiseram entrevistas, mas eu me neguei. Fomos para uma casa que tinham preparado para Jango. Quando estava tudo no lugar, eu disse:
    – “Presidente, a minha missão está cumprida.”
Ele respondeu:
    – “Mas, Assis, se você voltar para o Brasil eles vão judiar de você.”
Eu insisti:
    – “Sou soldado e tenho de me apresentar. Não quero ser considerado um desertor. Vou avisar ao Ministro da Guerra que vou voltar”.
No dia seguinte passei um Western avisando da minha chegada. Desembarquei no Brasil e fui preso. Aí termina meu episódio.

– Amigos do ex-presidente afirmam que, se ele fosse vivo, integraria os quadros do PMDB. O senhor acredita nisso?

– Acho difícil opinar a esse respeito. Ele sempre foi um homem do PTB, mas há tantos que mudaram…

– O senhor está atualmente com o PTB. O que acha dessa briga de Ivete Vargas com Leonel Brizola?

– Não sei o que a dona Ivete pensa. Não sei o que ela quer. É uma pessoa estratosférica. Só sei é que ela é parente do Getúlio Vargas. Aliás, seu único predicado.

– Paulo Schilling cita o senhor em seu livro Como a Direita se Coloca no Poder, e faz algumas críticas.

– Paulo Schilling é um personagem estranho. Na primeira parte do livro, quando ele trabalhava para o Brizola, e tinha interesses comuns com ele, Schilling elogia o governador. Mas, depois, passa a falar mal de todo o mundo. O dispositivo militar, que dizem que eu montei, nunca existiu. O livro tem muitas mentiras. Ele acusa o Jango de tudo. É um livro acusatório de Jango. É claro que Goulart tinha defeitos, e quem não os tem? Ele esquece, porém, que o ex-presidente tinha muito mais qualidades do que defeitos.

– O senhor conheceu todos os presidentes da revolução. Como os classifica?

– Dos mortos não gosto de falar, porque eles não podem se defender. Quanto aos vivos, discordo politicamente deles. Além disso, a maior mácula do General Emílio Garrastazu Médici foi ter desconhecido o mar de torturas que proliferou em seu governo. Ernesto Geisel – embora eu discorde de muitas coisas que fez, tanto na política econômica como social – teve uma virtude. Ele pôs o dedo em cima dos torturadores. Lembra do que fez com o Comandante do I Exército, Ednardo D’Ávila Mello, no caso Vladimir Herzog? Ele também escolheu o seu sucessor, o que foi muito bom. Ele fez bem em tirar dos militares a escolha do presidente. Ele botou ordem na casa. O Figueiredo, eu o conheci quando menino, deveria ter uns quatorze anos, junto do pai, o Coronel Euclides Figueiredo, que foi meu superior na Revolução de 1932. Fomos os dois exilados, só que ele foi mandado para Buenos Aires e eu para a Europa. Depois de alguns anos voltei para perto do Brasil, fui parar em Buenos Aires. A situação mudou, e em 1953 substituí o General Golbery do Couto e Silva na Missão Militar Brasileira em Assunção, no Paraguai.

– O senhor é a favor da legalização do Partido Comunista? Conheceu Luís Carlos Prestes?

– Prestes eu conheço só de nome, nunca o vi. Em 1921, com 12 anos, entrei no Colégio Miliitar, em Porto Alegre, e três anos depois Prestes se tornaria o lendário Cavaleiro da Esperança. Foi quando ele revoltou um batalhão de engenheiros em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, e iniciou a marcha da chamada Coluna Prestes. Acho o PC um partido fechado. Mas, numa democracia, o povo tem o direito de opinar e se ele for favorável à sua legalização eu também sou.


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15 setembro, 2010 às 04:18

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Categoria: Artigos

Comentários (1)

 

  1. Marco Balbi disse:

    “A DEMOCRACIA AMEAÇADA: RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE EXPRESSÃO”

    Ilmos. (as) Srs. (Sras)
    1. O Clube Militar, preocupado com o panorama político brasileiro, nestes últimos anos vem realizando uma série de atividades voltadas para a preservação da unidade nacional e da democracia no nosso País. Assim, além de eventos que colocou em discussão a defesa da Amazônia, particularmente o problema em Roraima, também tratou de reunir grupos de civis e militares da reserva, de diferentes estados, em três “Encontros Pela Democracia”, sendo dois em 2009 e um em março do corrente ano. Neste último, realizou-se o painel denominado “PNDH-3: A Democracia Ameaçada”, com a participação do Jornalista Antonio Carlos Pereira, do Dr. Ives Gandra Martins e do Min. Waldemar Zveiter.
    2. Agora, apesar de premidos pelo tempo, mas em face do previsto naquele PNDH-3 e da última reunião do “Foro de São Paulo”, que tornam clara a intenção de restringir a liberdade de expressão nos países latino-americanos, inclusive no nosso, realizaremos o Painel “A DEMOCRACIA AMEAÇADA: RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE EXPRESSÃO”, no próximo dia 23 de setembro (5ª Feira), no horário das 15:00 às 17:00 horas, no Salão Nobre da Sede Principal do Clube Militar (Av. Rio Branco, Nº 251, Centro, RJ).
    3. Considerando o trabalho sério, competente e de elevado profissionalismo que o evento exige, foram convidados três painelistas de alto gabarito e um mediador de reconhecida competência e experiência nesse mister. Assim, foram confirmadas as participações dos Jornalistas MERVAL PEREIRA e REINALDO AZEVEDO e do Diretor de Assuntos Legais da ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Dr. RODOLFO MACHADO MOURA, restando pendente a confirmação de apenas um dos quatro convidados.
    4. Em face do acima exposto, o Presidente do Clube Militar convida V.Exa/V.Sa. para o referido Painel, que contará com o apoio do “Instituto Millenium” e de “THEMAS” (Centro de Estudos Políticos, Estratégicos e de Relações Internacionais).

    CLUBE MILITAR
    “A Casa da República”

    DEMOCRACIA – SOBERANIA – UNIDADE NACIONAL – PATRIOTISMO

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