Entrevista com o melhor pugilista do mundo

Eu entrevistei o grande pugilista Guilhermo Rigondeaux em junho de 2008, quando amargava sua vida em Cuba. Em fevereiro de 2009 ele conseguiu fugir para os Estados Unidos.

Pugilista - Claudio Mafra
(Fotos: Claudio Mafra. Reprodução permitida mediante citação dos créditos.)

“Senhoooras e Senhooores! O pugilista três vezes Campeão Mundial Juvenil! Duas vezes campeão Panamericano! Medalha de ouro nas Olimpíadas de Sidney e Atenas! Duas vezes Campeão Mundial ! Com 475 vitórias e apenas 12 derrotas! Considerado o maior boxeador do mundo, com 27 anos de idade, o famoso e infeliz, Guilhermo Ri-gon-deaux !”

Bem, aqui está ele. Óculos escuros, boné enterrado na cabeça, assustado, mal vestido olhando para os lados para ver se foi seguido. É difícil acreditar que estou diante de um dos maiores esportistas de todo o globo. Entre Guilhermo Rigondeaux e uma vida de milionário – que seria a recompensa por seu talento – estão duzentos quilômetros de água salgada. Fora da Ilha, ele poderia ganhar milhões de dólares Seria disputado pelos patrocinadores, seria adulado, teria uma vida de luxos, Ferraris, publicidade, tudo que o dinheiro pode comprar. Uma celebrity, e no entanto vai receber 120 dólares para me dar uma entrevista. Apenas um pobre rapaz.

Durante os últimos jogos Panamericanos, no Rio, em julho do ano passado, Rigondeaux, e seu companheiro Erislandy Lara, tentaram fugir, abandonando a delegação cubana, seduzidos pelos contratos que poderiam assinar em outros países. O que se passou é nebuloso, mas o fato é que os dois foram despachados de volta para Cuba com tanta pressa que comenta-se ter sido um favor especial do presidente Lula para Fidel.

Claro que em nossa entrevista é impossível Rigondeaux dizer a verdade. De fato, ele é um prisioneiro domiciliar. Limita-se a repetir o que saiu publicado no Granma, o ridículo jornaleco oficial do regime. Fico ouvindo. Enquanto fala, olho para ele e sinto pena. Uma história completamente sem pé nem cabeça, onde o tamanho do seu desprezo pelo dinheiro só é igualado pelo seu patriotismo E as propostas que recebeu de um empresário ? – “Mentira da imprensa. Sempre existem propostas e nunca aceitei nenhuma .Eu já estive em muitos países e poderia ter fugido antes”. Algumas coisas que ele diz são interessantes: – “Se eu tivesse feito o que vocês escreveram nos jornais e depois tivesse voltado para Cuba eu teria sido fuzilado” – “A delegação voltou mais cedo porque havia alguns que estavam desertando.” (É verdade, dois já haviam fugido, e Fidel, com medo de que todo mundo fosse embora, ordenou que os seus escravos-atletas voltassem antes da festa de encerramento). Rigondeaux também não sabe onde está Lara: – “É bom para mim e para ele não nos encontrar-nos.” É tão simplório, que não seria correto tentar pega-lo em alguma contradição. É melhor deixa-lo em paz.

O fato é que nunca mais poderá deixar a ilha. “El Comandante” é vingativo, e Rigondeaux vai pagar caro pelo que fez no Brasil. Vai envelhecer em Cuba, sem nunca mais competir. Esse é o seu destino e ele que dê graças a Deus por não estar dentro de uma prisão. (Talvez deva dar graças ao Lula também).

Chegou a hora das fotografias. Peço para que tire o boné e os óculos, ele hesita, mas concorda. É reconhecido imediatamente. Três pessoas vêm apertar sua mão. Esquece o medo e fica muito satisfeito. Pelo menos tem a admiração do seus compatriotas. Eu o fotografo junto com o antigo campeão mundial dos pesos médios ligeiros de 1965, Felix Betancourt que foi quem me conseguiu o contato com ele. Por essa ajuda eu dei 70 dólares para o grande Felix, “A Pantera do Oriente”, o pugilista que foi o favorito de Fidel, e que aos 60 anos de idade está na miséria. Felix me mostrou uma sensacional fotografia ao lado de Fidel e Che, ele pronto para entrar no ringue, magnífica figura, puro, simples, uma força da natureza, em contraste com os dois atormentados carrascos. Bons tempos. Impossível reconhece-lo agora. O povo cubano sabe da história dos seus antigos ídolos, e o tratamento indígno que o regime dá aos seus pugilistas idosos. Quando deixam os ringues, por não saberem fazer mais nada além de lutar são colocados de lado, ganham uma pensão miserável. A luta deles passa a ser a sobrevivência diária.

Caminhamos por uma rua mais discreta e eu aproveito para pagar Rigondeaux. Então ele chega ao fundo do poço: Me pergunta se não gostaria de “chicas”. Essa não. O maior pugilista do mundo está me oferecendo prostitutas. O que mais posso dizer?

O telefone toca no quarto do hotel e dizem, em tom imperativo, que são da Inmigracion, que é para eu descer porque querem falar comigo no lobby. Claro, chegou a vez da repressão. Até agora estive livre feito um passarinho, fazendo e acontecendo, mas chegou a vez de pagar a conta. Minha primeira providência é a de rasgar rapidamente os papeis que comprometem o jornalista meu amigo, Jose Barrios (nome fictício). Por intermédio dele cheguei até aos boxeadores. Sinto pena de ficar sem alguns documentos interessantes, mas é imprudência conserva-los, e impossível esconde-los. De uma hora para a outra podem entrar no meu quarto e revistar tudo. Coloco o papel picado no saco que a arrumadeira deixou no corredor. Conservo somente a capa da revista Enepece, editada pelos refugiados de Miami, onde aparece a cara sorridente do presidente Raul vestido de chinês, com o título “La China que nos Espera”.Quero leva-la para ver se o jornal publica a foto. É hilária. Para se entender é preciso saber que Raul Castro tem o apelido de “China”,uma dupla alusão aos olhos puxados e ao fato de ser considerado gay.

Chegando ao lobby, dois militares me fazem algumas perguntas e recebo um papel onde sou intimado por um tenente-corone l para ir depor ás 9 horas do dia seguinte no Departamento de Imigração. Telefonei para o jornal, e avisei que se não desse notícias em 48 horas seria uma boa idéia ligar para a embaixada brasileira. A segunda providência foi procurar, Barrios naquela noite e contar tudo. Ficou com medo de ser preso. Não quer de maneira alguma que eu conserve a revista com a cara do Raul. Procuro tranqüiliza-lo dizendo que de mim não vão saber nenhuma palavra sobre ele. Não vou dizer um único nome, Se engrossarem chamo a embaixada. Barrios sabe que vou para Miami de veleiro ,e pela segunda vez, e de maneira dramática, pede para ir comigo. O que posso dizer para uma pessoa desesperada para escapar da ilha ? O barco não é meu, e, sem motor, a viagem é muito demorada, 30 horas. Seria sorte demais conseguir iludir os cubanos, e depois ainda teríamos a Guarda Costeira americana. Não é possível.

É muito comum os cubanos escaparem em barcos, mas estes são super potentes , vêm de Miami ao preço de 10 mil dólares , atracam em algum ponto da ilha e partem em extrema velocidade para outro país, ou mesmo para os Estados Unidos. O problema são os jovens, os meninos, aqueles que não tem nada a perder, e que percebendo os preparativos de fuga dos que contrataram a empreitada ficam esperando escondidos. Quando o barco chega tentam embarcar á força. Muitas vezes se atiram na água, e arriscam a vida de tal modo que o capitão não tem outra alternativa senão leva-los.

Pela manhã, chegando na Inmigração, já não gostei da primeira pergunta do capitão. Olhando para a rua, e fechando a porta atrás de mim ele diz : “ – O senhor deixou o taxi esperando ?” Mau sinal, será que está querendo dizer que sou muito otimista ? Começa um interrogatório onde querem ser durões mas ao mesmo tempo educados. Eu me recuso a dar os nomes dos que me levaram ao Rigondeaux,. Digo que se eles têm seus informantes, eu também tenho os meus, só que para um jornalista isso se chama “fontes”, e que são sagradas, mas, antes que se irritem ainda mais eu digo inocentemente que naquele caso tinha sido o Jornal. O jornal? Sim , senhores. – “O Jornal me deu o endereço dele, obtido na Polícia Federal . No Brasil foi um escândalo, os senhores não souberam ? É péssimo para eles, ouvirem esse: “escândalo no Brasil”. (percebe-se imediatamente que se sentem inferiorizados, que é difícil defender o regime). Resolvem partir para outra acusação : – “Mas o senhor disse no seu boleto de entrada em Cuba que veio para férias. Como é que foi fazer entrevistas ?”. Novamente eu entro com o jornal salvador: – “O Jornal me ligou e disse que já que eu estava em Cuba, que tal aproveitar e fazer uma entrevista ?” (O nome Guilhermo Rigondeaux não é mencionado uma única vez em todo o interrogatório ).

E por aí vamos, eles insistindo em que estou me metendo em assuntos internos cubanos. Mas, os tempos são de “cambio” (abertura), é bom não exagerar, e resolvem encerrar o interrogatório.. Passar bem, obrigado, e por favor, em férias não faça mais entrevistas.

Tudo levou pouco mais de uma hora.

Os cubanos assistem os canais a cabo de Miami. É uma festa porque ficam sabendo de tudo o que o governo esconde e nega. Claro que é ilegal, mas todo mundo tem. Os que podem, pagam 10 dólares por mês pelo decodificador, e os outros fazem “gato”.De vez em quando a polícia providencia “batidas” mas quando chega nas casas os aparelhos já foram recolhidos. Dizem os cubanos que gente do próprio governo avisa quando a polícia vai entrar em ação. Afinal todos tem filhos e filhas que querem assistir aos programas. O canal preferido é o 23, onde se apresenta Maria Elvira, que mete o pau nos comandantes. Grande sucesso. Existem outros, os 51,.41 e o 69.que mostram aos cubanos a vida nos países livres, a vida que lhes é negada. A moça da tabacaria está fazendo 24 anos me diz que conta nos dedos os dias passados em Cuba, e que se pergunta se algum estará livre. Os canais cubanos só falam de política, são uma chatice, todo o tempo é “revolucion”, “consciência del momento histórico e as baboseiras do comandante en jefe, que depois que deixou o governo começou a publicar “Reflexiones” como se fosse um extraordinário pensador.

E os meus amigos cubanos já podem me esperar sentados no lobby do hotel! Antes ficavam em pé, do lado de fora, e me chamavam quando davam sorte de me ver. São as mudanças do Raul. Também podem comprar aparelho de DVd (quando tiverem dinheiro) e aí, sim, vão deitar e rolar com os dvds piratas, gravados do canal 23 de Miami, o que vai decuplicar as informações “contra-revolucionárias”. Quando se começa a abrir um regime…

Muito animado, o ministro Celso Amorim disse que o Brasil vai trocar figurinhas com Cuba. Nós iremos comandar a reconstrução de uma rodovia, e a Petrobrás vai firmar uma parceria com a estatal cubana, a Cupet. Em troca teremos a tecnologia da fabricação do medicamento Interferon. Quer dizer, Cuba vai nos ensinar a fazer remédio. Engraçado, outro dia eu recebi um e-mail de um casal cubano, onde a moça me pedia, com urgência, que lhe enviasse analgésicos, porque não suportava mais tanta dor de cabeça depois de uma operação. (retransmiti o e-mail para o Estado). O “sofisticado” medicamento que coloquei no Correio (Cuba não tem Sedex), foi o Paracetamol,(Tylenol), pelo qual ela ficou eternamente grata. Bem, o ministro deve saber o que está dizendo. Com a tecnologia de ponta que os cubanos têm, com tanto dinheiro em magníficas universidades, soberbos laboratórios, admiráveis centros médicos, uma fortuna gasta em pesquisas, se nos ajudarem com o tal do Interferon daremos um enorme salto de qualidade em nossa indústria farmacêutica. Muito bom.

Ao terminar a matéria li no jornal Elnuevoherald, publicado em Miami, que a judoca cubana Yurisel Labordie, que estava participando do Campeonato Panamericano de Judô, em maio , nessa cidade, também fugiu. Labordie era uma medalha certa nas Olimpíadas de Pequim. Era bi- campeã mundial ( 2005 e 2007)

De regresso ao Brasil, e depois da matéria pronta, fiquei sabendo que Guilhermo Rigondeaux foi chamado pela Polícia Política . Ele se defendeu dizendo que havia apenas repetido o que o Granma havia publicado. Foi advertido para deixar de ser bobo, que todos jornalistas mentem, e que nunca mais desse entrevista nenhuma. Sua resposta foi a de que “esse jornalista não, ele não vai mentir”. Agradeço a Rigondeaux por essas palavras, sinto por não haver acreditado em sua versão do fato, mas espero que no texto tenha ficado claro que realmente ele foi coerente com o Granma.

3 junho, 2009 às 11:03

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Categoria: Artigos

Comentários (2)

 

  1. Carlos disse:

    Matéria nem um pouco parcial e distorcida hein……. como alguem pode vomitar essas asneiras todas hein?

  2. Terezinha Abreu disse:

    Eu fico pensando qual será o conceito de liberdade para esse povo?

    A liberdade sempre está ligada com as possibilidades de escolha
    quando as opções são tão restritas até o sonho de liberdade
    é limitado pelo que se conhece e que não se tem.

    Pobres Cubanos!

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