Responsabilidade de comando – A desonra de Arthur Harris (Michael Walzer) – Fotos de Dresden antes e depois do bombardeio na 2a.Guerra Mundial- Dresden hoje

Ser oficial não é em nada semelhante a ser um soldado raso. A patente é algo pelo qual os homens competem, a que aspiram, com que se regozijam; e por isso, mesmo quando oficiais de início tiverem sido recrutados, não precisamos nos preocupar se os responsabilizarmos com rigor pelos deveres de seu posto. Pois é possível evitar a patente, mesmo quando não se pode evitar o serviço militar. É alta a incidência de morte de oficiais subalternos em combate, mas mesmo assim há soldados que querem ser oficiais. É uma questão dos prazeres do comando. Na vida civil, não há nada que se assemelhe (ao que me disseram). O outro lado do prazer é, porém, a responsabilidade. Os oficiais assumem enormes responsabilidades, mais uma vez sem nada que lhes seja semelhante na vida civil, pois eles têm sob seu controle os meios da morte e da destruição. Quanto mais alto o posto e maior o alcance de seu comando, maiores são as responsabilidades. Eles planejam e organizam campanhas; tomam decisões sobre estratégia e tática; optam por lutar aqui e não lá; ordenam aos homens que entrem em combate. Sempre devem ter como meta a vitória e cuidas das necessidades de seus próprios soldados. Mas têm ao mesmo tempo um dever mais alto: “O soldado, seja ele amigo ou inimigo”, escreveu Douglas MacArthur quando confirmou a sentença de morte do general Yamashita, “é responsável pela proteção dos fracos e desarmados. Essa é a própria essência e razão de sua existência… [uma] confiança sagrada.”[1] Exatamente porque, de arma em punho, com a artilharia e aviões de bombardeio à disposição, ele representa uma ameaça para os fracos e desarmados, é que ele precisa tomar medidas para protegê-los. Deve lutar com comedimento, aceitando riscos, alerta para os direitos dos inocentes.

É óbvio que isso significa que ele não pode ordenar massacres. Também não pode aterrorizar civis com bombardeios por ar ou por terra, nem desalojar populações inteiras para criar “zonas de combate irrestrito”, nem adotar represálias contra prisioneiros, nem ameaçar matar reféns. No entanto, o significado vai mais além. Os comandantes militares têm mais duas responsabilidades cruciais do ponto de vista moral. Em primeiro lugar ao planejar suas campanhas, eles devem adotar medidas positivas para limitar até mesmo as mortes não-planejadas de civis (e devem se certificar de que o número de mortos não seja desproporcional às vantagens militares esperadas). Nesse sentido, as leis da guerra são de pouca valia; nenhum oficial vai ser ponto do massacre. A responsabilidade moral é, entretanto, clara, e não pode ser localizada em mais nenhum lugar além do posto de comandante. A campanha pertence ao comandante como não pertence aos combatentes comuns. Ele tem acesso a todas as informações disponíveis bem como aos meios para gerar mais informações. Ele tem (ou deveria ter) uma visão panorâmica da soma dos atos que está ordenando e dos efeitos que espera deles. Se, então, não forem cumpridas as condições estabelecidas pela doutrina do duplo efeito, não deveríamos hesitar em considerá-lo responsável por esse descumprimento. Em segundo lugar, ao organizar suas forças, os comandantes militares deverão adotar medidas positivas para fazer vigorar as convenções de guerra e forçar os homens sob seu comando a respeitar suas normas. Eles precisam cuidar do treinamento de seus homens nesse sentido, emitir ordens claras, estabelecer procedimentos de inspeção e garantir a punição de cada soldado e oficial subalterno que mate ou fira pessoas inocentes. Se houver muitas ocorrências desse tipo de morte ou ferimento, presume-se que os comandantes sejam responsáveis, pois supomos que estivesse a seu alcance impedir esses atos. Considerando-se o que realmente acontece na guerra, os comandantes militares têm muita responsabilidade sobre os ombros.

A desonra de Arthur Harris

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“Talvez ele fique para a história como um gigante entre os líderes de homens. Ele deu ao Comando de Bombardeiros coragem para superar suas provações…” Assim escreve o historiador Noble Frankland a respeito de Arthur Harris, que comandou o bombardeio estratégico da Alemanha de fevereiro de 1942 até o final da guerra.[2] Como vimos, Harris era um obstinado defensor do terrorismo, tendo resistido a todas as tentativas de usar seus aviões para outras finalidades. Ora, o bombardeio de terror é uma atividade criminosa e, depois que tinha passado a ameaça imediata representada pelas vitórias iniciais de Hitler, passou a ser uma atividade totalmente indefensável. Por esse motivo, o caso de Harris não é realmente um exemplo do problema das mãos sujas. Ele e Churchill, que era o responsável final pela política militar, não tinham pela frente nenhum dilema moral: simplesmente deveriam ter interrompido a campanha de bombardeio.

Apesar disso, podemos usá-la como exemplo, pois parece que era assim que ela se apresentava na cabeça dos líderes britânicos, até mesmo do próprio Churchill no final. Foi por isso que depois da guerra, embora naturalmente não lhe fosse feita nenhuma acusação por crime, Harris não foi tratado como um gigante entre os líderes de homens.   Ele tinha feito o que seu governo considerava necessário, mas o que tinha feito era feio, e parece ter havido uma decisão consciente de não comemorar os feitos do Comando de Bombardeiros nem de homenagear seu líder. “Por esses atos”, escreve Angus Alder, “Churchill e seus pares afinal demonstraram aversão. Depois do encerramento da ofensiva aérea estratégica em meados de abril [de 1945], o Comando de Bombardeiros foi tratado com descortesia e desdém. E Harris, ao contrário de outros comandantes de renome, não foi premiado com um título de par do reino.” Nessas circunstâncias, não honrar equivalia a desonrar, e foi exatamente assim que Harris interpretou o ato (ou omissão) do governo.[3] Esperou algum tempo por uma recompensa e então, ressentido, deixou a Inglaterra, voltando para sua terra natal, a Rodésia. Os homens que comandou receberam tratamento semelhante, embora o desdém não fosse tão pessoal. Na Abadia de Westminster, há uma placa em homenagem aos pilotos do Comando de Caças que morreram durante a guerra, com uma relação do nome de todos eles. Já os pilotos de bombardeiros, embora tivessem sofrido baixas muito mais numerosas, não têm nenhuma placa. Seus nomes não estão registrados. É como se os britânicos tivessem levado a sério a pergunta de Rolf Hochhuth.[4]

Será que um piloto que bombardeia

Centros urbanos sob ordens

Ainda pode ser chamado de soldado?

Tudo isso prova alguma coisa, embora de forma tão indireta e confusa que não se pode deixar de perceber sua estranheza em termos morais. Harris e seus homens têm uma queixa legítima: eles fizeram o que lhes foi ordenado e o que seus líderes consideravam ser necessário e correto, mas são desprezados por isso; e de repente surge a sugestão (o que mais o desprezo poderia significar?) de que aquilo que era necessário e correto também era errado. Harris percebeu que estava sendo transformado em bode expiatório; e sem dúvida é verdade que, se há de se distribuir culpa pelos bombardeios, Churchill merece plena participação. Contudo, o sucesso de Churchill em se dissociar da política de terrorismo não é de grande importância. Sempre há um conserto para isso na crítica retrospectiva. O importante é que sua dissociação fez parte de uma dissociação nacional — uma política deliberada que tem valor e importância moral.

E, no entanto, a política parece cruel. Expressa em termos gerais, ela se resume ao seguinte: que uma nação que esteja travando uma guerra justa, quando está desesperada e quando sua própria sobrevivência está em risco, deve utilizar soldados sem escrúpulos ou ignorantes em termos morais; e assim que sua utilidade tiver sido esgotada, a nação deve repudiá-los. Eu preferiria dizer algo diferente; que homens e mulheres decentes, sob a enorme pressão da guerra, às vezes precisam fazer coisas terríveis, e então eles próprios têm de procurar algum meio de reafirmar os valores que desrespeitaram. Mas a primeira afirmação é provavelmente a mais realista. Pois é muito rato, como Maquiavel escreveu, em seus Discursos, “que se encontre um homem bom disposto a empregar meios perversos”, mesmo quando esses meios são exigidos em termos morais.[5] E então precisamos procurar pessoas que não sejam boas, usá-las e desprezá-las. Talvez haja algum modo melhor de fazer isso do que o método que Churchill escolheu.. Teria sido melhor se ele tivesse explicado a seus compatriotas o custo moral de sua sobrevivência; e se tivesse elogiado a coragem e a resistência dos pilotos do Comando de Bombardeiros, mesmo enquanto estivesse sustentando a impossibilidade de sentir orgulho pelo que eles houvessem feito (uma impossibilidade que muitos deles sentiram). A verdade é que Churchill não fez isso. Ele jamais admitiu que o bombardeio constituiu um erro. Como não houve uma admissão desse teor, a recusa em homenagear Harris foi pelo menos um pequeno passo no sentido de restabelecer um compromisso com as normas de guerra e os direitos que elas protegem. E esse, a meu ver, é o significado mais profundo de todas as atribuições de responsabilidade.


[1] Citado em A. J. Barker, Yamashita (Nova York, 1973), pp. 157-8[2] Frankland, Bomber Offensive, p. 159.[3] Calder, The Peoples’s War, p.565; Irving, Destruction of Dresden, pp. 250-7.[4] Soldiers: An Obituary for Geneva, tradução de Robert David MacDonald (Nova York, 1968), p. 192[5] The Discourses, tomo I, capítulo XVIII

Os defensores do desarmamento nuclear parecem acreditar que, se conseguissem alcançar o seu objetivo, a guerra voltaria a ser toleravel e decente. Fariam bem  em meditar sobre o destino de Dresden, onde 135.000 pessoas morreram em consequência de um ataque aéreo realizado com armas convencionais. Na noite de 9 de março de 1945, um ataque contra Tóquio, por bombardeiros pesados americanos, usando bombas incendiárias e de alto poder explosivo, causou a morte de 83.793 pessoas. A bomba atômica lançada sobre Hiroxima matou 71.379 pessoas. ( “O Matadouro número 5”, romance de Kurt Vonnegut Jr.)

Dresden antes da 2a. Guerra

Dresden-antes-bombardeio
Dresden depois do bombardeio
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Dresden hoje
Dresden-Hoje
 
 
 
 
 

4 abril, 2010 às 01:23

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Categoria: Artigos

Comentários (1)

 

  1. Laura Diz disse:

    Bela cidade.Fotos incríveis
    Bj Laura

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