Tenentismo

tenentes

CLUBE MILITAR
(1924)

“Ten. Gwaier: Em defesa do Exército, desse Exército enxovalhado pelo Presidente da República, desse Exército que V.Exa., General Setembrino, de modo algum representa… (vozes).
“Marechal Presidente: Atenção. Quem está com a palavra é o Sr. Ten. Gwaier.
Ten. Gwaier: O Sr. Major Boanerges já havia declarado, antes de abrir a sessão, que viria me apartear com violência.
Maj. Boanerges: Não é verdade.
Ten. Gwaier: Quem me disse foi o Ten. Siqueira Campos.
Ten. Siqueira Campos: É verdade. Não querer sustentar é outra coisa.
Maj. Boanerges: Eu não disse assim.
Ten. Gwaier: V. Exa. Disse, mas não tem importância. Seus apartes não me interrompem.
Cap. Duarte do Carmo: O Sr. Major Boanerges é um oficial digno, mais digno que V. Exa.
Ten. Gwaier: Mais digno que V. Exa.
Cap. Duarte do Carmo: V. Exa. É incompetente, mal criado e não sabe português.
Ten. Gwaier: V. Exa. Tem razão. Fui aluno do senhor seu pai.
Cap. Duarte do Carmo: Protesto, meu pai era um homem competente e sabia comandar.
Ten. Gwaier: Tinha tanta competência que se permitiu transferir sine die um eclipso total do Sol. Isto está escrito nos Boletins do Exército; eu apelo para o Sr. Tenente Siqueira de Brito que, na ocasião, servia no 1º Batalhão de Engenharia.
Cap. Duarte do Carmo: O Tenente Brito é um oficial digno e não pode afirmar isto.
Ten. Siqueira de Brito: Sou amigo do Cap. Duarte do Carmo e peço a S. Exa. que me perdoe, porém a afirmação do Ten. Gwaier é verdadeira.
Cap. Duarte do Carmo: Muito obrigado a V. Exa.
Ten. Siqueira Brito: Não tem o que agradecer”.
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“Ten. Gwaier: Está direito, V. Exa. submeterá o requerimento à votação, Sr. Presidente. Os jornais noticiam que o Sr. Presidente da República, para enxovalhar o Exército, vai mandar amanhã seus agentes fecharem o Clube Militar, baseado numa lei que fecha as sociedades de anarquistas, de cáftens e de exploradores de lenocínio. Maior injúria não se pode fazer. Suprema afronta jogada às faces do Exército Nacional.
Maj. Figueiredo: O Sr. Presidente da República tem toda a razão.
Ten. Gwaier: V. Exa. concorda que o Presidente da República feche o Clube Militar baseado naquela Lei?
Maj. Figueiredo: Concordo.
Ten. Gwaier: Então V. Exa. é cáften? É explorador do lenocínio? É anarquista? Queira me desculpar porque, francamente, eu não sabia.
Ten. Gwaier: À vontade. Escolha o lugar e marque hora. Sob minha honra de militar o juro, lá estarei.
Marechal Presidente: O Sr. Ten. Gwaier vai modificar essa linguagem. V. Exa. está convidando seus superiores para brigar”.
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Ten. Gwaier: Sr. Presidente, se eu soubesse que os defensores do governo epitacista aparteariam o Ten. Brigo com tanta rudeza de linguagem e grosseria, não teria tocado na prisão daquele oficial, para não assanhar os gaviões e os abutres que rasgam a dignidade alheia.
Ten. Pacheco: Gavião é V. Exa.
Ten. Gwaier: Sou o gavião e V. Exa. é a rolinha.
Gen. Potiguara: Está se dirigindo à mim?
Ten. Gwaier: V. Exa. aparteou o Ten. Brito com grosseria?
Gen. Potiguara: Não. Mas estou solidário com os apartes dados a V. Exa.
Ten. Gwaier: Então permita que lhe diga: V. Exa. também é um corvo faminto que procura raspar a honra alheia.
Gen. Potiguara: Protesto! Isto revolta, senhores oficiais!
Ten. Gwaier: O que revolta é V. Exa. emprestar seus galões e a força que comanda a um bandido como o Sr. Epitácio Pessoa, deixando ele livremente cavalgar o Exército, fechando o Clube Militar baseado numa lei infame, injuriosa e opressora.
Gen. Potiguara: V. Exa. se atreve a chamar o Sr. Presidente da República de bandido?
Gen. Hastinfilo: Eu lhe repilo, tenente.
Ten. Gwaier: Ele não é somente bandido, é ladrão também. Está provado.
Gen. Potiguara: V. Exa. se arrependerá disso.
Ten. Gwaier: Registre-se a ameaça.
Gen. Potiguara: V. Exa. não está sendo ameaçado. Eu lhe aparteei calmo e rindo.
Ten. Gwaier: Há homens, Sr. Presidente, cujo riso parece uma operação de descontos a juros usurários. Assim é o riso do General Potiguara.
Cap. Teopomo de Vasconcelos: V. Exa. é indigno de vestir a farda do Exército. Não agrida os seus superiores.
Ten. Gwaier: Eu falei como o General Potiguara e não com sua ordenança.
Cap. T. Vasconcelos: Ordenança é V. Exa.
Ten. Gwaier: É. V. Exa., que como capitão se prestou aos papéis mais infames, como sejam os de perseguidor e algoz dos seus colegas.
Cap. T. Vasconcelos: V. Exa. está se alterando e o sangue lhe chegando às faces.
Ten. Gwaier: Sim, porque onde não tem sangue é na fisionomia dos cadáveres. Onde não tem sangue é na fisionomia de V. Exa., que é um cadáver moral (violentos apartes).
Marechal Presidente: Se os oficiais continuam nessa linguagem, eu sou obrigado a suspender a sessão. Todos nós somos do Exército e o que se está passando aqui é uma vergonha que depõe contra nossa cultura e educação. Continua com a palavra o Sr. Ten. Gwaier de Azevedo.
Ten. Gwaier: Os meus agressores ponham a carapuça. A observação do Sr. Presidente atinge àqueles que me obrigam a responder com violência apartes violentos e indelicados”.
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“Ten. Gwaier: Até quando sofreremos tão grandes ignomínias? Unamo-nos e teremos os aplausos da Nação inteira, toda ela mais ou menos ferida pela perfídia, pela inépcia… (protestos — muito bem!)… pela prepotência de um presidente cretino, infame e déspota.
Gen. Potiguara: Cretino é V. Exa.
Ten. Gwaier. Cretino é V. Exa. Não estamos no Contestado, onde V. Exa. mandava fuzilar a torto e a direito. Isto é um costume seu, e muito antigo.
Coronel Santa Cruz: Eu estou revoltado com a linguagem desse oficial.
Ten. Gwaier: V. Exa. está revoltado porque não pode me pegar no 1º Regimento de Cavalaria, para me raspar a cabeça, como faz com os soldados.
Cel. Santa Cruz: Isto é uma infâmia.
Ten. Gwaier: V. Exa. pode me informar por que todo mundo o conhece por “Papa-Coco”?
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Gen. H. Moura: V. Exa. Está preso!
Ten. Gwaier: É verdade
Gen. José de Lima: V. Exa. Olhe para minha cara e veja quem sou, atrevido!
Ten. Gwaier: Eu não conheço V. Exa. direito, mas, pela cara, parece um coveiro de cemitério em tempo de epidemia.
Gen. Lima: Protesto! Protesto!”.
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Gen.: Setembrino: Fosse eu presidente do Clube, esse oficial na continuaria a falar.
Ten. Gwaier: V. Exa. podia ser, mas não com meu voto. Poderia ser presidente do Clube Militar um oficial general que, na campanha do Contestado, de parceria com os peculatários, roubou a nação em 2.600 contos, assinando recibos fantásticos de viveres e deixando os soldados morrer de fome?
Gen. Setembrino: V. Exa. provará isso?
Ten. Gwaier: Pois não! Os documentos existem.
Almirante Souza e Silva: Se dessem uma comissão a V. Exa. não há dúvida que se calaria imediatamente.
Ten. Gwaier: Não julgue o meu critério pelo de V. Exa. V. Exa. é um concessionário que dorme regaladamente nas gavetas dos fornecedores de carão para a Esquadra e teve o despudor de engolir 1.600 contos, a pretexto de abastecer de combustível o depósito da Ponta do Galeão, onde o Almirante V. de Matos, militar digno e respeito por todos os títulos, indo lá nada encontrou nem mesmo sombra de combustível.
Alm. Souza e Silva: Isto é uma balela.
Ten. Gwaier: O Sr. Almirante V. de Matos declarou ou não tudo isso que eu acabei de afirmar? Faça o favor de responder, pois eu apelo para sua dignidade de militar e para o seu passado.
Alm. V. de Matos: O que V. Exa. disse é uma verdade e ele não me desmentirá.
Ten. Gwaier: Veja Sr. Presidente, eu não estou caluniando.
Gen. Potiguara: Caluniador V. Exa. o é.
Ten. Gwaier: Foi também V. Exa. quem mandou encher de palha 15 vagões que deviam levar roupas para nossos soldados no Contestado; e, em vez de 30 volumes de granadas, remeteu 30 volumes de pedras. Foi finalmente V. Exa. que, como o General Setembrino, fluidificou 20 mil pares de botas de montaria do Exército, que nunca foram vistos em ponto algum do planeta, a não ser nas algibeiras de V. Exa. vastas como o oceano (protesto — muito bem!) (O presidente chama a atenção dos oficiais).
Gen. Lima: Ladrão pode ser V. Exa.
Ten. Gwaier: V. Exa. manifestou-se sem ser chamado. Também terá que ouvir sua fé de ofício. Ei-la! V. Exa. construiu uma estrada de ferro da Fábrica de Pólvora com o célebre túnel pelo qual as locomotivas só puderam passar depois de arrancadas as suas chaminés, porque não foi prevista altura suficiente, sendo que a via férrea era tão bem feita que os trens gastaram 74 horas para percorrer 120 quilômetros. Desminta-me se é capaz.
Gen. Ache: Torna-se necessária uma reação de nossa parte porque esse oficial está nos enxovalhando!
Ten. Gwaier: V. Exa. também tem rabo comprido.
Gen. Ache: V. Exa. que aponte uma irregularidade minha.
Ten. Gwaier: Vou satisfazer V. Exa. com todo o prazer. V. Exa. na França, requisitou dinheiro do Tesouro para pagar dívidas contraídas na França e na Alemanha em conseqüência de jogo e libertinagem, aliás, libertinagem senil, em que
V. Exa. se contentava com os elogios das proxenetas à artificial eternidade do vigor brasileiro. Isto está no relatório do embaixador do Brasil enviado ao Ministério do Exterior.
Gen. Ache: O embaixador é um infame.
Ten. Gwaier: Não sou culpado, entenda-se com ele.
Gen. Ache: V. Exa. é um oficial degenerado, provocador destas cenas vergonhosas.
Ten. Gwaier: Dignas, entretanto, de vossa presença.
Gen. Andrade Neves: O Sr. General Ache está muito acima das injúrias desse oficial energúmeno.
Ten. Gwaier: Antes ser energúmeno do que ser um devasso como V. Exa., que já desviou fundos de subscrições públicas em proveito de suas numerosas concubinas. (Protestos. Muito bem!)”

16 junho, 2009 às 13:20

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Categoria: Artigos

Comentários (2)

 

  1. viniciuscortez disse:

    Oi Cláudio! Adorei esse texto! Onde o encontrou? Fiz uma pesquisa rápida no google e não encontrei nenhum livro cujo nome fosse “Clube Militar”. Talvez seja uma coletânea histórica?

    Abraço!

    • Claudio Mafra disse:

      Desculpe a demora. Esse texto foi publicado pelo Jânio de Freitas há mais de vinte anos. Um abraço.

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