Um estudo (muito bom) sobre a Estratégia americana na guerra do Afeganistão: problemas com a Russia e o Paquistao ( Stratfor.com)

Paquistão, Rússia e a ameaça à guerra do Afeganistão

Dias após os afegãos terem fechado suas fronteiras à passagem de combustível e suprimentos para a força tarefa de guerra liderada pela OTAN, por várias razões os russos ameaçaram fechar a NDN*, uma rede de distribuição alternativa no norte, controlada pela Rússia. As duplas ameaças são significativas mesmo que não se materializem. Se ambas as rotas são cortadas, o suprimento das forças do Ocidente operando no Afeganistão se torna impossível. Com o simples crescimento da possibilidade de corte dessas linhas de suprimento, a OTAN e os Estados Unidos são forçados a recalcularem suas posições no Afeganistão. * Northern Distribution Network (NDN) Rail and Road Routes

A possibilidade de linhas insuficientes de suprimento coloca a atual direção da OTAN no Afeganistão em mais risco ainda. Isso poderia também tornar mais vulneráveis as tropas ocidentais, por possivelmente requerer importantes alterações nas operações nesse cenário de falta de abastecimento. Enquanto as linhas de suprimento no Paquistão provavelmente vão finalmente se abrir e a NDN provavelmente se manterá aberta, a distancia entre provável e o certo é grande.

O ataque ao posto de fronteira paquistanês

A decisão do Paquistão de fechar as passagens nas fronteiras em Torkham perto do Khyber Pass e Chaman foi depois de um ataque dos Estados Unidos sobre uma posição paquistanesa dentro de áreas tribais perto da borda afegã, e que matou algumas dúzias de soldados paquistaneses. Estes vêm crescentemente se opondo às operações dos Estados Unidos dentro do território do Paquistão. Esse mais recente incidente teve um número inédito de vítimas e desencadeou uma resposta extrema. As circunstancias precisas do ataque não são claras, com poucos detalhes contraditórios e contestados. Os paquistaneses insistem que foi um ataque não provocado e uma violação à soberania de seu território. Em resposta, Islamabad fechou a fronteira para a OTAN; ordenou que os Estados Unidos saíssem da base aérea de Shamsi no Balochistão, usada pela CIA; e está revendo a cooperação militar e de inteligência com os Estados Unidos e OTAN.

A razão mais próxima para a reação é óbvia; e a fundamental para a suspensão também é relativamente simples. O governo do Paquistão acredita que a OTAN, e os Estados Unidos em particular, não conseguirão um bem sucedido final na guerra no Afeganistão. Sendo assim, os Estados Unidos e outros países da OTAN irão, a certa altura, se retirar de lá. Alguns no Afeganistão têm afirmado que os Estados Unidos foram derrotados, mas isso não é o caso. Os Estados Unidos podem ter falhado em ganhar a guerra mas não foram derrotados no sentido de serem compelidos a deixar por força superior. Eles poderiam ficar lá indefinidamente, particularmente porque o público não é totalmente hostil a guerra e não está gerando pressão substancial pelo fim das operações. No entanto, se a guerra não pode chegar a um resultado, uma hora os cálculos de Washington ou a pressão pública, ou ambos, vão mudar e os Estados Unidos e seus aliados vão deixar o Afeganistão.

Considerando este eventual efeito, o Paquistão deve se preparar para lidar com as consequências. Não há receios sobre o Talibã dirigir o Afeganistão e este, certamente não pretende continuar a processar a guerra dos Estados Unidos contra o Talibã, uma vez que suas forças se retiram. Se fosse assim, os ataques talibãs no Paquistão se intensificariam, e poderiam até desencadear uma mais intensa guerra civil no Paquistão. Os paquistaneses não têm interesse em tal resultado, mesmo que os Estados Unidos tiverem que permanecer no Afeganistão para sempre. Ao contrário, vamos que uma vitória dos Estados Unidos seja implausível e a sua retirada inevitável. Islamabad terá que viver – e possivelmente lidar – com as conseqüências do ressurgimento de um governo dominado pelo Talibã. Sob essas circunstancias, faz pouco sentido para o Paquistão colaborar excessivamente com os Estados Unidos, uma vez que isso aumenta os seus perigos internos e expõe sua relação com o Talibã.

O Paquistão estava preparado para cooperar com os Estados Unidos e a OTAN, enquanto  os Estados Unidos estavam numa fase agressiva e imprevisível. Os paquistaneses não podiam se arriscar naquela momento a condenar ataques americanos mais agressivos em seu território por temer um tratado Estados Unidos-India. Mas os americanos perderam o apetite por uma guerra mais ampla e estão sem recursos para uma. É, consequentemente, do interesse do Paquistão reduzir a sua colaboração com os Estados Unidos em preparação para o que ele vê como o inevitável resultado. Isso vai fortalecer as relações do Paquistão com o Talibã afegão e minimizar a ameaça de conflito interno no Paquistão. Apesar das desculpas dos comandantes dos Estados Unidos e OTAN, o incidente de 26 de novembro deu aos paquistaneses a oportunidade – e em suas mentes, a necessidade – de uma resposta excepcional. A suspensão da linha de provisões sem nenhum compromisso de reabri-la e o fechamento da base aérea dos Estados Unidos na qual operações com veículos aéreos não tripulados eram realizadas (embora o espaço aéreo paquistanês permaneça aberto a operações, como relatado) foram úteis ao Paquistão. Permitiram a Islamabad reposicionar-se como hostil aos Estados Unidos por causa das ações americanas. E também, permitiram a Islamabad parecer menos pró-americana, uma poderosa questão política doméstica. O Paquistão já fechou anteriormente rotas de abastecimento como uma medida punitiva. Torkham foi fechado por 10 dias em outubro de 2010 em resposta a um ataque aéreo dos Estados Unidos que matou vários soldados paquistaneses, e caminhões ao sul da passagem Chaman. Pessoas foram “administrativamente detidas” de acordo com os paquistaneses. Dessa vez, entretanto, o Paquistão está assinalando que o problema é mais sério.

Incerteza sobre essas linhas de suprimentos é o que levou os Estados Unidos a gastarem considerável capital político para organizar a alternativa via NDN. A alternativa NDN e BMD* Essa alternativa depende da Rússia. Ela transita pelo território e espaço aéreo russo e por uma grande área do antigo setor soviético, estendendo-se até o mar Báltico – o que eh um grande custo adicional, comparando-se com a rota paquistanesa. Essa alternativa é viável, pois ela permitiria que suprimento suficiente fluísse para apoiar as forças da OTAN. Na verdade, nos últimos meses ela se tornou a linha primaria de abastecimento, e a sua segurança vem se expandindo. No momento, 48% das provisões da OTAN ainda passam pelo Paquistão; 52% vêm pela NDN (não letais); 60% de todo combustível passam pela NDN; e ao final do ano, o objetivo é de que 75% de todos os suprimentos não letais transitem pela NDN. * Sistema de Defesa contra Mísseis Balísticos

Dividir os Estados Unidos rende um diferente desdobramento: somente 30% dos seus suprimentos atravessam o Paquistão; 30% chegam por ar (parte deles pela rota Karakoram-Torkham, provavelmente incluindo a maior parte das armas letais); e 40% entram pela rota NDN terrestre. Consequentemente, a ameaça de Dmitri Rogozin, de que a Rússia poderia suspender essas linhas de abastecimento ameaça a viabilidade de todas as operações ocidentais no Afeganistão. Rogozin, o enviado russo para a OTAN, é conhecido por fazer declarações extremistas. Mas quando ele faz essas declarações, ele faz com o total conhecimento e autorização da liderança russa. Embora ele esteja acostumado a fazer declarações que a liderança pode querer abrir mão, não é incomum para ele assinalar novas direções na política russa. Isso significa que os militares dos Estados Unidos e OTAN, responsáveis por sustentar operações no Afeganistão, não podem se permitir descartar a ameaça. Não importa quão pequena é a probabilidade, ela coloca mais de cem mil soldados americanos e aliados numa posição vulnerável.

Para os russos, a questão é o desenvolvimento e colocação de mísseis balísticos de defesa na Europa. Os russos se opõem à colocação, argumentando que isso representa uma ameaça ao impedimento nuclear russo e, assim, ameaça o equilíbrio nuclear. Isto foi certamente a razão pela qual os soviéticos se opuseram à primeira Iniciativa de Defesa Estratégica nos anos 1980. Entretanto, ao transferir isso para 2010, o argumento parece falho. Inicialmente, não há equilíbrio nuclear no momento, uma vez que não há alicerce político para guerra nuclear. Em segundo lugar, o esquema de Defesa contra Mísseis Balísticos dos Estados Unidos e Europa não é projetado para interromper um maciço lançamento de mísseis como os russos podiam executar, mas somente para a ameaça posta por um número muito pequeno de mísseis como os que poderiam ser lançados do Irã. Finalmente, não está claro se o sistema funciona muito bem, embora ele certamente tenha provado ser muito mais capaz do que os sistemas predecessores da virada do século. No entanto, os russos se opuseram veementemente ao sistema, ameaçando, em resposta, posicionar mísseis balísticos de curto alcance Iskander, e até armas nucleares táticas em Kaliningrad e outras localizações. A preocupação dos russos é obviamente real, mas é difícil acreditar que eles estão preocupados é com o equilíbrio nuclear. Pelo contrário, são com as implicações geopolíticas de colocar a infraestrutura do sistema BMD na Europa Central. Radares e interceptores estão sendo posicionados em torno da periferia da Rússia – na Polônia, Romênia, Turquia e Israel. Do ponto de vista da Rússia, esse posicionamento de radares e outros sistemas é precursor do posicionamento de outras capacidades militares. São instalações extremamente valiosas que precisam ser protegidas. Consequentemente, tropas serão distribuídas junto com defesas aéreas, e etc. Em outras palavras, o próprio posicionamento da infraestrutura do BMD pode não causar um impacto prático sobre os russos, mas as conseqüências indiretas seriam preparar condições para mais extensos posicionamentos militares. Os russos devem assumir que isso poderia exigir um retorno à contenção de forças, o princípio empregado pelos Estados Unidos durante a Guerra Fria para limitar o poder soviético.

Os russos veem a inclusão de outras forças militares nas localizações do posicionamento do interceptor e radar, como a criação de um cinturão de nações designadas para conter a Rússia. Dado ao futuro incerto da Europa e ao crescente poder relativo da Rússia na região, os Estados Unidos têm um interesse em se certificar de que qualquer fratura na Europa, não dê aos russos, oportunidades de estender sua influencia política. Enquanto a extensão pela qual os estrategistas americanos escolhem os sítios tendo em mente a contenção da Rússia não está clara, do ponto de vista da Rússia o motivo não importa. O planejamento é feito baseado na capacidade e não na intenção. Qualquer que seja a intenção dos Estados Unidos, o movimento abre a porta para a contenção, se e quando os planejadores de política dos Estados Unidos notarem a oportunidade. Os russos têm ameaçado com ações por anos, e nas últimas semanas eles se fizeram ouvir ameacando sobre o assunto da BMD. O russo Rogozin obviamente foi instruido a atacar na vulnerabilidade criada pelo movimento paquistanês e introduziu a, agora indispensável NDN, a um ponto onde os russos poderiam pressionar, sabendo que este é a mudança que os Estados Unidos não podem tolerar no momento. Se eles pretendem fechar a rota de suprimentos é questionável. Assim agindo, poderiam causar uma enorme ruptura com os Estados Unidos, e a esse ponto os russos têm sido relativamente cautelosos em desafiar os interesses fundamentais dos americanos. Além do mais, os russos estão preocupados com qualquer instabilidade no Afeganistão que poderia ameaçar a sua esfera de influencia na Ásia Central. Entretanto, eles estão firmes em não permitir a criação de uma nova linha de contenção, e assim podem estar mexendo nos seus próprios cálculos. É uma regra das guerras que linhas de abastecimento estratégico sejam absolutamente seguras. Se não há condições de abastecer os seus soldados, é necessário reposicionamento em posições mais favoráveis. A perda das rotas de suprimento cria, a certo ponto, uma vulnerabilidade que na historia militar leva a um aniquilamento de forças. É algo que pode ser arriscado quando interesses estratégicos maiores requerem isso, mas isso é uma manobra perigosa. Os russos estão aumentando a possibilidade de um isolamento das forças dos Estados Unidos no Afeganistão. Linhas de aprovisionamento no país isolado nunca ficaram sob o controle dos Estados Unidos ou da OTAN. Todos os suprimentos devem chegar através de outros países (menos de um terço dos abastecimentos americanos chega por ar, e mais comumente pelo espaço aéreo russo), e a disposição dos russos em permitir o transito é a base da estratégia americana.

Os Estados Unidos e a OTAN têm sido expostos como financiadores de uma guerra que dependeu, primeiramente, da aceitação do Paquistão e agora, progressivamente, da Rússia para permitir a passagem de suprimentos por seus respectivos territórios. Se ambos suspenderem este privilégio os Estados Unidos enfrentariam a escolha de ir a guerra para tomar linhas de suprimentos – algo bem além da capacidade convencional dos Estados Unidos a essa altura – ou admitir a derrota na guerra. Toda vez que uma força depende da cooperação de partes que não controla para sustentar sua força, ela estah em perigo. A questão não é se as ameaças são cumpridas. A questão é se o interesse estratégico que os Estados Unidos têm no Afeganistão justifica o risco de os russos não estarem blefando e de os paquistaneses se tornarem menos confiáveis em permitir a passagem. No caso de necessidade estratégica, tais riscos podem ser assumidos. Mas quanto menor a necessidade estratégica, menos o risco é tolerável. Isso não muda a realidade estratégica no Afeganistão. Isso simplesmente torna essa realidade mais clara e as ameaças a esta realidade mais sérias. Washington, e claro, espera que os paquistaneses reconsiderem e que os russos estejam simplesmente resmungando. A esperança, no entanto, não é uma estratégia.

2 dezembro, 2011 às 18:26

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Categoria: Artigos

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