Yo-Yo-Ma em uma noite para não esquecer (João Marcos Coelho)- vejam com ele as Slavonic Dances , e a sensacional Han Na Chang tocando Haydn- a melhor interpretação que conheço

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Paixão, rigor e talento marcaram apresentação irretocável do violoncelista ao lado da pianista inglesa Kathryn Stott

Um concerto dominado pelo universo do cinema – foi o que um público entusiasmadíssimo curtiu no concerto de terça na Sala São Paulo. Afinal, estava no palco o mais incensado dos músicos clássicos da atualidade, o violoncelista Yo-Yo Ma. Ele abriu a noite com o famoso Gabriel”s Oboe, melodia sedutora de Ennio Morricone feita para o filme A Missão, de 1986; e fechou com a enorme porém igualmente sedutora sonata para violoncelo e piano do russo Serge Rachmaninov, cheia de melodias matrizes emuladas por compositores europeus emigrados para os EUA responsáveis pelas grandes trilhas sonoras de Hollywood na primeira metade do século 20.

O tema principal do Andante desta sonata, entre vários outros salpicados nos quatro movimentos, justifica sozinho a performance de outro russo na cerimônia do Oscar em 1954. Dimitri Tiomkin, em seu discurso ao receber a estatueta pela música do filme Um Fio de Esperança disse: “Quero agradecer a Brahms, Johann e Richard Strauss, Wagner, Beethoven…” Gargalhadas o impediram de completar a lista. Daí a refinada pertinência do programa elaborado pelo violoncelista.

Aos 54 anos, Yo-Yo Ma é um verdadeiro cidadão do mundo, pois nasceu em Paris, de pais chineses, e cresceu e estudou em NY. É também um músico de todas as músicas. Cisca, de modo genial, na música contemporânea, nas populares e na erudita convencional.

Há três anos, pela mesma Sociedade de Cultura Artística e ainda no teatro da Rua Nestor Pestana já se apresentara com a excepcional pianista inglesa Kathryn Stott. Eles formam duo irretocável, em que vivacidade, rigor e talento convivem em formidáveis proporções.

E como é bom assistir a um músico de exceção exercendo plenamente sua liberdade artística. Executadas sem interrupção, as primeiras três peças – díspares entre si, pois assinadas por Morricone, Gershwin (prelúdio n.º 2 original para piano) e o brasileiro César Camargo Mariano radicado em Nova York (Cristal) – compuseram uma original suíte de danças que relembra a fuzarca habitual dos músicos barrocos. Juntar músicas desse jeito não é só lúdico; mostra afinidades insuspeitadas entre gêneros afastados como as trilhas de Hollywood, a tentativa de soar “clássico” de Gershwin e a ginga de Mariano. Isso sim é importante e vale como abertura de perspectivas, para o público e os músicos em geral.

Ruminando a canção. Brahms estreou como pianista boa parte de sua produção camerística. Costumava enfiar a cabeça no teclado e adorava ruminar as melodias em “bocca chiusa”. A elegante Kathryn Stott não chega a tanto, mas é a parceira ideal para o violoncelo de Yo-Yo Ma, capaz de manter um cantabile raro na emissão das frases. Viu-se isso desde o início da sonata em mi menor, no entrecruzamento de timbres do cello e do piano: o primeiro inicia uma longa frase melódica no seu registro mais baixo e atinge uma das notas mais agudas de sua tessitura, acolchoado por acordes solenes do piano.

No “quasi minuetto” central, os dois instrumentos brincaram em ritmo dançável; e no Allegro final a fuga deu o tom de uma execução apaixonada e ao mesmo tempo rigorosa.

L, a peça de Graham Fitkin, foi presente de aniversário para Yo-Yo Ma em seus 50 anos. Fitkin, de 46, nascido no pós-moderno clima inglês apimentado com as aulas com o eclético holandês Louis Andriessen, trafega aleatoriamente, ora por Piazzolla, ora pelas linguagens da vanguarda downtown de Manhattan, liderada por David Lang, Michael Gordon e Julia Wolfe. Deu o chamado “toque contemporâneo” bem-comportado ao concerto.

Bem mais do que a sonata de Brahms, a de Rachmaminov privilegia o piano, com uma escrita complexa e virtuosística, nos movimentos mais longos: o Lento-Allegro moderato inicial e o fogoso Finale Allegro mosso. As longas frases cantantes do violoncelo, porém, dominam o Allegro scherzando e o Andante. Se Stott exibe uma energia revigorada e é exata em sua leitura da tempestuosa partitura, Yo-Yo Ma consegue milagrosamente retirar do instrumento forças para terçar lanças com um piano quase sempre poderosíssimo.

Uma interpretação de altíssimo nível, comparável ou talvez melhor do que a da sua gravação com Emanuel Ax para a Sony, de 1991. A lamentar, apenas, que não tenhamos mais a acústica invejável do Cultura Artística, onde este duo brilhou três anos atrás. Teria faltado ajuste nas placas móveis da Sala São Paulo?

(publicado no Estadão em 17 de junho de 2010)

17 junho, 2010 às 23:14

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Categoria: Artigos

Comentários (1)

 

  1. Michèle disse:

    Cláudio, parabéns por esta publicação, uma escolha excelente que nos proporciona momentos prazerosos de abstração. Bem disse Beethoven: “A música é a revelação superior a toda sabedoria e filosofia.” Ave a Música! Ave seus integrantes! Aplaudindo muito, abraço grande, Michèle

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