Vietnã- Fotos e: Ho-Chi-Minh virou hamburguer

Publicado pelo Estado de São Paulo
Fotos: Claudio Mafra. Reprodução permitida mediante citação dos créditos
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As armadilhas que os vietcongues armaram para os soldados americanos são muito admiradas pelos turistas. Velhotas risonhas ficam admiradas com tanta engenhosidade, e fazem muitas perguntas, enquanto o guia vai descrevendo todo o horror que está na nossa frente. No meio da trilha, um buraco escondido pelas folhas. No fundo, uma engenhoca cheia de pontas de ferro que gira para pegar o soldado, por mais que, no desespero, tente se livrar. Não há como escapar, ele é empalado. São muitas as variedades. A mais simples é a de bambus fincados no chão com a ponta afiada. Muitas vezes, caía o pobre do cachorro que estava na frente junto com os soldados. É incrível que essas armadilhas sejam exibidas. Deveriam ser escondidas, destruídas. É um símbolo de barbárie.

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Elas contrariam as leis mais elementares da guerra, mas não questione os admiradores que estão ao seu lado, porque ou ficam confusos, surpreendidos na sua maldade, ou tomam uma atitude política tipo “o que é que os Estados Unidos estavam fazendo na terra dos outros?”. Alguns escolhem falar nas bombas de napalm jogadas pelos americanos. Uma crueldade justifica a outra. A diferença é que os americanos têm vergonha do napalm e tentam esconder o que fizeram, e os vietnamitas querem ganhar dinheiro com as armadilhas. Os turistas são cúmplices.

Também é muito atraente atirar com as metralhadoras russas RPK -74, e com o fuzil Kalashnikov, o AK-47. Os turistas podem ter essa experiência no stand que foi montado no “tour das armadilhas”. Cada bala custa um dólar. A metralhadora é uma máquina de fazer dinheiro. O primeiro corajoso turista aperta o gatilho e leva um susto com a rajada. Quando consegue tirar o dedo já foram embora, no mínimo, vinte dólares. Alguns têm mesmo muito dinheiro e pagam cinqüenta, cem dólares, para ficar atirando. Acham a guerra uma coisa muito feia, são todos pacifistas, mas que delícia atirar com aquelas armas . E o dono do stand assegura que elas devem ter matado muita gente. Emocionante.

No Hotel Continental, em Saigon, depois de deixar a minha bagagem no quarto, resolvo implicar com alguma coisa e vou me queixar na recepção. “Mas o senhor está na suíte do escritor Graham Greene!” diz a moça. O que? Peço mil desculpas, volto correndo, satisfeito com a minha sorte. (Parece que para onde vou, ele sempre já passou por lá). No segundo andar, número 41, o grande romancista inglês começou a escrever O Americano Tranqüilo (The Quiet American). Só fiquei desapontado porque o hotel não tem mais a varanda onde os correspondentes de guerra ficavam enchendo a cara de uísque, ou de Dubonnet, a bebida francesa que lembra os tempos coloniais da Indochina. Planejava ficar horas sentado, bebendo, meu olhar na praça principal da cidade, nostalgicamente voltando ao passado da guerra em Saigon. Após a vitória do Vietnam do Norte os comunas mudaram o nome da cidade para Ho-Chi-Minh, em homenagem ao líder norte-vietnamita, mas todo mundo usa é Saigon mesmo.

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O principal meio de locomoção são as motonetas (scooters). Todo mundo usa, inclusive as prostitutas. Elas param perto de você e fazem o convite: Allez? Vamos? Elegante e charmoso. É muito comum ver homens ocidentais, já na idade madura, acompanhados dessas garotas. O povo vietnamita é pequenino, e as moças ficam parecendo meninas ao lado do turista.

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O pior é que esse tipo de união assombra os outros casais de estrangeiros que passeiam pela cidade, e as esposas olham com raiva e reprovação para o homem de braço dado com a pequena beldade, o marido finge que não vê, mas provavelmente tem inveja e gostaria de trocar de lado. As vietnamitas são muito bonitas. Também são gentis e submissas, o que seduz ainda mais o ocidental acostumado a viver em um matriarcado. Saigon, com seis milhões de habitantes, é uma cidade de muitos prazeres.

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Em Hanói, a capital do país unificado, é bem diferente. Sente-se austeridade, o Norte conquistou o Sul, “degradado” pelos ocidentais. O ponto alto é que se conseguiu preservar melhor do que em Saigon o estilo arquitetônico colonial francês. A cidade é menor – três milhões de habitantes -, mas como centro cultural é mais importante.

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O Vietnam é dirigido pelo Partido Comunista, mas o capitalismo já chegou. Nada escandaloso feito a China, o país é um pouco menor do que a Alemanha, tem oitenta milhões de habitantes, mas, da mesma forma que em todo o mundo, a luta agora é para conquistar o capital estrangeiro. Quem diria que fosse possível uma empresa americana, a Kentucky Fried Chiken, propor uma joint-venture com o governo vietnamita chamada “Uncle Ho’s Hamburgers” (Hamburgueres do tio Ho)? O sagrado marxista-leninista Ho-Chi -Minh, o “tio Ho” – como era chamado pelas tropas americanas – virar nome de hamburguer? Se era para terminar assim, para que tanta guerra ?

E os nomes dos melhores bares e restaurantes da cidade também dizem muito: Apocalypse Now, Hard Rock Café, Miss Saigon, Why Not?, Wild Horse Bar, Wild West Sallon, Wild West Sallon. Quem diria…Hamburguer, ou não, assisto a uma parada de veteranos da guerra, e lá está o retrato do piedoso velhinho, cercado de moças bonitas.

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O chofer do táxi me conta que foi soldado do Vietnam do Sul. Pergunto se sofreu alguma coisa nas mãos dos “libertadores”, mas não houve problema. Quando os vietnamitas do norte invadiram Saigon ele foi para casa, tirou o uniforme, e pôs fogo. Muito bom

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É enorme a controvérsia a respeito das tropas americanas no Iraque “estarem se atolando em outro Vietnam”. Os soldados estariam morrendo num sacrifício inútil, e o envolvimento dos Estados Unidos seria cada vez mais parecido com o que aconteceu há 33 anos. Entretanto, quando o ex-presidente Bush afirmou que a decisão de retirar as tropas “nunca dependerá dos políticos em Washington e sim dos generais”, e depois fez referência à hostilidade da mídia, ele quis dizer que não  permitiria que por culpa do Congresso americano, e da agressiva imprensa liberal, pudesse se repetir a vergonhosa retirada dos Estados Unidos do Sudeste Asiático. Ele gostaria que a retirada fosse “lenta, segura e gradual”. A tese, de certa maneira, foi encampada por Obama. Ele prometeu sair do Iraque, mas não tão depressa como seus colegas do Partido Democrata querem.

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A história começa com o domínio da França sobre a Indochina (Vietnam, Laos, e Cambódia), que teve início em 1887, e chegou ao fim em 1954, quando o exército francês, confirmando sua irresistível vocação para as derrotas – que começaram em Waterloo (1815) -, foi cercado e humilhantemente batido pelos vietnamitas em Dien-Bien -Phu. Teve início a Conferência de Genebra, que reconheceu a independência do Laos, do Camboja, e dividiu o Vietnam em dois países, o do Norte com a capital em Hanói e o do Sul, com a capital em Saigon. O Vietnam do Norte comunista, e o Vietnam do Sul, um típico governo ditatorial pró-ocidente. Imediatamente, no Vietnam do Norte, estabeleceu-se o padrão de crueldade característico do regime e foram mortas cinqüenta mil pessoas, e cem mil colocadas em campos de concentração. Entre oitenta e cem mil guerrilheiros, que estavam no Vietnam do Sul, seguiram para o Norte, enquanto um milhão de norte-vietnamitas fugiram para o Vietnam do Sul. O aguerrido governo norte-vietnamita imediatamente tomou a implacável decisão de conquistar o Sul e reunificar o país. O governo sul-vietnamita passou a viver em função de resistir à dominação comunista. Estava montado o quadro para as décadas seguintes.

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Após a Segunda Guerra, as condições de pobreza nos países subdesenvolvidos deram impulso a movimentos revolucionários socialistas, ou seja, a tomada do poder pela força. Eram as “sagradas guerras de libertação nacional”, nas palavras de Kruschev. Por mais distante que fossem da União Soviética, esses movimentos muitas vezes foram apoiados pelos russos com armas, dinheiro, e conselheiros militares. A China fazia a mesma coisa, com a diferença de que sua esfera de ação se restringia aos países vizinhos, e de que seu apoio também poderia vir na forma de centenas de milhares de soldados, como aconteceu na Guerra da Coréia (1950-53).

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Os Estados Unidos, ameaçados a longo prazo, decidiram usar todos os meios para impedir o avanço comunista, o que se tornou conhecido como a “teoria da contenção”. Temia-se que, se um país “viesse a cair”, outros o seguiriam em seqüência, o que se denominou de “efeito dominó”. É nesse contexto que se insere a guerra do Vietnam.

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“Uma guerra convencional diz respeito a controle de território; uma guerrilha diz respeito á segurança da população. A equação básica da guerrilha é tão simples quanto difícil de ser executada: o exército da guerrilha vence enquanto for capaz de não perder; o exército convencional está destinado a perder a menos que vença decisivamente”. H.Kissinger

O envolvimento dos Estados Unidos no Vietnam começou no final dos anos 40, na forma de ajuda financeira á França, e chegou ao seu ápice em 1967, com quinhentos mil soldados, em confronto direto com os guerrilheiros vietcongues, com o exército invasor do Vietnam do Norte. A mobilização da sociedade americana contra a guerra é por demais conhecida e marcou uma época. Ela difere dos protestos atuais a respeito do Iraque, em primeiro lugar pelas impressionantes passeatas que tomaram conta das grandes cidades, e, depois, porque não apenas questionava o papel dos Estados Unidos no mundo, mas também negava a sociedade de consumo e o próprio modo de viver americano.

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Em 30 de janeiro de 1968 aconteceu a Ofensiva do Tet, a maior e também decisiva batalha de toda a guerra. Na época considerada um sucesso, hoje não existem dúvidas de que esse ataque dos comunistas foi uma grande derrota militar. Ao escolherem, pela primeira vez, a luta em campo aberto, os guerrilheiros perderam muito da sua infra-estrutura e quase deixaram de existir como força de combate. Paradoxalmente, os Estados Unidos, vencedores no campo de batalha, amargaram uma derrota política definitiva: os vietcongues haviam conseguido ocupar, por algumas horas, a embaixada americana. Isso foi tudo que não poderia acontecer. O mais respeitado de todos os jornalistas americanos, Walter Cronkite,  apareceu na televisão e disse que era o fim. A repercussão foi extraordinária e determinante para que o governo desistisse de tentar vencer a guerra.

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Sem alternativa, o presidente republicano Richard Nixon elegeu-se em novembro de 1968 com o propósito de trazer, “com dignidade”, as tropas para casa. Em 27 de janeiro de 1973, após dois anos de negociações, em Paris, chegou-se a um cessar-fogo entre os países envolvidos. Esse é um ponto importante: pouca gente conhece o fato de que o documento foi assinado pelos Estados Unidos, Vietnam do Norte, Vietnam do Sul, a Força de Libertação Nacional (o Vietcongue) e mais 11 países que haviam dado apoio logístico,ou lutado ao lado dos Estados Unidos: Coréia do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Tailândia, Filipinas, Taiwan, Alemanha, Inglaterra, Espanha, Suíça, e o Marrocos. O acordo previa: RETIRADA AMERICANA; O GOVERNO DO VIETNAM DO SUL CONTINUARIA EM SUAS FUNÇÕES ATÉ A REALIZAÇÃO DE ELEIÇÕES LIVRES;  O FIM DO ENVIO DE REFORÇOS E DAS INFILTRAÇÕES NORTE-VIETNAMITAS; DEVOLUÇÃO DE PRISIONEIROS; UM DIÁLOGO POLÍTICO CONTÍNUO ENTRE AS PARTES.  Não era, em absoluto, uma derrota americana.  Pela primeira vez os Estados Unidos tinham nas mãos um compromisso que delimitava o papel dos participantes da guerra – inclusive o seu próprio – que era claramente defender o que tinha sido  firmado. Os norte-vietnamitas teriam que cumprir o tratado ou sofrer as consequências.  Mas, o motivo  que levara os comunistas a concordar em  Paris logo ficou claríssimo. Esperavam  que a ideologia liberal americana não permitiria mais nenhum apoio às forças armadas dos Estados Unidos no Vietnã.  E acertaram em cheio.  O Congresso, de forma pusilânime, e covarde, negou-se a fazer cumprir o que seu governo e os norte-vietnamitas haviam assinado.

(Os negociadores Henry Kissinger, pelos Estados Unidos, e Le-Duc-Tho pelo Vietnam do Norte, ganharam o desmoralizado premio Nobel da Paz).

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O movimento pacifista nos Estados Unidos, considerando qualquer intervenção americana um símbolo de degeneração moral,  queria a retirada de qualquer maneira, não se importando com o fato de que o preço a pagar seria a liberdade dos vietnamitas, que haviam sido encorajados a lutar sob promessa de proteção armada. Em junho de 1973, cinco meses após o Acordo de Paris, o Congresso americano proibiu qualquer ação militar “em ou sobre o Vietnam”. Isso significava abandonar o país à sua própria sorte. A decisão fez com que o acordo, que já estava sendo violado pelos norte-vietnamitas, fosse abertamente jogado no lixo. Ao mesmo tempo, esse Congresso, com uma penada, ignorou o sacrifício de mais de 55 mil soldados americanos, e de centenas de milhares de vietnamitas do sul que haviam perdido suas vidas na guerra. O princípio da política externa americana nascido em 1945, de que os Estados Unidos tinham o dever de proteger e apoiar os povos livres havia se “transfigurado nas mãos da nova contracultura americana num símbolo de arrogância e presunção de uma sociedade corrompida”.

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Confiantes na impunidade, os norte –vietnamitas aumentaram seus ataques e marcharam sobre Saigon. Em 29 de abril de 1975, o governo sul-vietnamita se rendeu.

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Em todos os continentes foi enorme o impacto desmoralizador sobre países que dependiam militarmente dos Estados Unidos. A completa retirada americana do Sudeste Asiático, que acabou sendo uma desonrosa rendição incondicional, ocasionou no Camboja, um dos maiores genocídio da história, onde o Khmer Vermelho, movimento comunista aliado da China, assassinou dois milhões de pessoas em uma população de seis milhões. O Camboja, país neutro, tornara-se parte da guerra, quando os norte vietnamitas construíram estradas e bases militares em seu território, penetravam no Vietnam, abatiam um enorme número de americanos, e cruzavam a fronteira de volta, utilizando o estatuto de neutralidade. Por fim, os Estados Unidos decidiram bombardear os lugares que haviam se tornado santuários dos norte-vietnamitas, o que mais tarde originou a acusação bizarra, e muito difundida, de que sem o ataque americano não teria havido o massacre efetuado pelo regime Khmer, “o que é a mesma coisa que dizer que o Holocausto foi causado pelo bombardeamento inglês da Alemanha”.

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Houve um capítulo especial nos dias que antecederam á queda de Saigon. O embaixador americano, Graham Martin, inconformado com a decisão do seu governo de abandonar os vietnamitas, travou sua própria guerra particular, decidido a manter os compromissos morais dos Estados Unidos e afundar com o navio até o útimo minuto do último dia. Assim, atrasou dramáticamente a retirada americana e começou a salvar um número muito maior de sul-vietnamitas do que o determinado pelo seu governo. Já circulavam, em Saigon, as terríveis listas onde centenas de pessoas que tinham ligação com os Estados Unidos estavam condenadas à morte.
As últimas horas da evacuação foram cinematográficas. Sob ataque dos foguetes norte-vietnamitas, Martin deixou Saigon no último helicóptero que decolou do telhado da embaixada, depois de haver conseguido, em apenas duas semanas, a evacuação de cinqüenta mil sul-vietnamitas e seis mil americanos, com apenas quatro baixas. Seu sangue frio e determinação permitiram que outros oitenta mil sul-vietnamitas escapassem do país, usando seus próprios recursos. Martin nunca mais recebeu qualquer posto de embaixador.

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17 junho, 2009 às 06:50

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Categoria: Artigos

Comentários (1)

 

  1. […] Voltando aos idiotizados ocupantes de Wall Street: A maioria demoniza o capitalismo, outros estão lá por farra, por nada, por acharem que tudo está errado ( esperem até ficaram velhos para ve o que é bom prá tosse), por exibicionismo, por terem vidas sem sentido. Todos são perigosos. Na década de 60 conseguiram fazer com que os Estados Unidos se retirassem humilhantemente derrotados do Vietnam. Naquela época, da mesma maneira que agora, tiveram o apoio da intelectualidade americana, isto é, dos liberais. A história que nos é ensinada diz que os vietnamitas ganharam pelos seus próprios méritos. Não é verdade. Em 1968 os Estados Unidos estavam no caminho de vencer após a fracassadíssima ofensiva do Tet, feita pelos vietcongues. Os liberais não deixaram. Muito pior foi o que aconteceu depois. O Congresso americano permitiu que o acordo de Paris fosse rasgado pelo Vietnam do Norte, e que o Sul fosse ocupado pelos comunistas. Para detalhes dessa história ver o meu artigo clicando em cima do título: “Vietnã- Fotos e : Ho-Chi-Minh virou hamburguer“   […]

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