Quem será o herói que vai dizer que o golpe de 1964 foi necessário? (ou, como serão os militares hoje? )

Esse artigo é uma continuação de outros, postados recentemente. O assunto é considerado de muito mau gosto, e praticamente proibido. Trata-se de contar o que os militares fizeram em 1964, e ficar imaginando o que se passa na cabeça deles agora, diante da perspectiva de uma ditadura de esquerda comandada por ladrões, e que pode durar no mínimo 12 anos. Quem acompanha o blog sabe do que estou falando.

O artigo de Carlos Alberto Di Franco, no Estadão, alerta para as ameaças à democracia por parte do PT, mas tem uma abertura curiosa, ou previsivel, não ficou claro: “Em 1964, sob o pretexto de preservar a democracia, ameaçada por um presidente da República manipulado pelo radicalismo das esquerdas, os militares tomaram o poder “. E no segundo parágrafo:  “E, o que se anunciava como intervenção transitória..”, e blá, blá, blá. Ficou confuso. Escreveu “pretexto”, mas em seguida, o “presidente manipulado pela radicalismo das esquerdas” o que somado com o segundo parágrafo faz com que a gente não saiba o que se passa na cabeça do articulista. Mas… é apenas boa vontade minha. Feito todo mundo ele é contra o golpe de 1964. É sócio do clube. Que clube ? Ora, aquele dos que acham que a bomba atômica em Hiroshima foi um crime hediondo; dos que vivem falando sobre o unilateralismo de Bush e sua burrice sesquipedal; dos que são contra  Cuba mas acreditam na impagável história da ótima medicina cubana; dos que não querem que se use tortura contra terrorista. O clube dos tagarelas. O clube dos que não sabem que a raiz quadrada de 4 é igual a 2.  

Não entenderam até agora a intervenção militar. Foi um golpe sim. Mas, digam-me, o general Lott, ministro da Guerra (Exército), deu, ou não deu, um golpe militar em 1954 para garantir a posse de Juscelino ? Ah, mas eles não ficaram no poder, entregaram o governo para um civil. Certo. Mas foi um golpe. Feriu-se a Constituição, mesmo que tenha sido “o retorno aos quadros constitucionais vigentes”, nas palavras de Lott. Achamos ótimo, pois caímos de pau na direita udenista. Sem nenhuma dúvida a população brasileira apoiou os militares porque desejava que o presidente eleito assumisse, e governasse. Lacerda fugiu. Quem diria que um ano antes havia dito sobre Juscelino:  “Não vai ser candidato” “Se candidato não será eleito”. “Se eleito não tomará posse”  “Se tomar posse não governará”.

Em 1964 havia um enorme aparelhamento de esquerda no Brasil, uma enorme insubordinação militar, a revolta dos sargentos, (perdoados pelo presidente) a revolta na Marinha, (perdoada pelo presidente), a adesão dos que foram prendê-los, um almirante sendo carregado nos ombros pelos fuzileiros, e muita coisa mais nas Forças Armadas. Estava se realizando exatamente o pior pesadelo dos militares: a insubordinação. Uma repetição do que aconteceu na Rússia, quando soldados e oficiais de muitos regimentos se aliaram aos comunas. E tínhamos as Ligas Camponesas, Brizola e o Grupo dos Onze**, os sindicatos unificados, Miguel Arraes, governador de Pernambuco, comuna de carteirinha, e muito, muito mais. Nós, os jovens que militávamos na esquerda em organizações “secretas”, queríamos tomar o poder ao lado dos operários e implantar uma república socialista. Perguntem ao Serra, que era presidente da UNE e militante da AP ( Ação Popular) .

Algumas medidas da época fazem o MST parecer brincadeira de meninos. Iam ser desapropriadas todas as terras às margens de rodovias! Havia um slogan famoso :”Reforma agrária na lei ou na marra!” Vivia-se agitação dia e noite. Éramos os donos do Brasil. A UNE era importantíssima. Fazia e acontecia. Desafiava tudo e todos. Nós a chamávamos de o Quinto Poder da República ( O Quarto era a Imprensa). Eu tratava o ministro da Educação de você, e ele nunca havia me visto mais gordo. De uma hora para a outra a UNE me designou para trabalhar no seu gabinete, para não sair do pé dele para que fizesse o que nós queriamos. Eu me lembro quando Jango visitou a universidade de Brasília. O professor encarregado de um pequeno improviso ( alô, Hélio Pontes) também o chamou de você. Houve um ligeiro estremecimento na hora, mas que bobagem, era isso mesmo, claro, éramos todos iguais, o presidente da república deveria mesmo ser chamado de você, e pronto. Deu para entender ?

Alguém pensa honestamente que a nação ficou CONTRA o golpe dos militares? Ora, nós não tinhamos o apoio nem dos nossos próprios pais! Vamos deixar de mentiras.

Claro que depois, quando Castelo descumpriu sua palavra, desonrou seu compromisso, e foi implantada uma ditadura, as pessoas deixaram de concordar, e o trabalho de esquerda fez o resto. Os militares se tornaram tão impopulares que nunca mais tiveram coragem de usar a farda, fora dos quartéis. MAS ISSO, É OUTRA HISTÓRIA. Vamos parar com esse negócio de criticar o golpe em 1964 como se ele não tivesse sido necessário. Para os militares tudo estava muito claro, ou faziam um intervenção ou haveria uma guerra civil em futuro muito próximo.. Tinham medo de que generais, coroneis, seus camaradas, se deixassem dominar pelo esquerdismo. E com toda a razão! Poderia acontecer. Aliás, aconteceu! Quem se lembra de que foi montado um famoso “esquema militar” pró-Jango  ? Não é ensinado nas escolas, pois não ? Se esqueceram do General Assis Brasil, Chefe da Casa Militar, do General Justino Alves Bastos,Comandante do IV Exército (Recife), que ficou em cima do muro até o último momento, da esfinge que era o general Kruel,  comandante do II Exército (S.Paulo), grande amigo de Jango, seu parceiro de poquer,  do almirante Aragão, (Rio) totalmente esquerdista, comandante dos poderosos Fuzileiros Navais, do general Osvino, também de esquerda que chegou a ser comandante  do Primeiro Exército,(Rio) , em 1961, e, em 1964, era presidente da Petrobrás, do general Âncora, comandante do  1a. Região Militar, do general Nicolau Fico, que comandava as tropas de Brasília e do ministro da Marinha, Paulo Mário Rodrigues que queria resistir a qualquer custo. Aliás, no caso do almirante Paulo Mario chegamos à insanidade completa. Ele foi escolhido ministro pelos marinheiros e referendado por Jango!!! Digam-me, os militares poderiam assistir de braços cruzados essas coisas acontecerem ?E tínhamos, nada mais, nada menos, do que o próprio ministro da Guerra (Exército), Jair Dantas Ribeiro que fazia parte do esquema de Jango, mas ficou doente, foi internado, e não pode fazer nada na hora H, além de pedir ao presidente que fechasse a CGT (Central Geral dos Trabalhadores) como sinal de boa vontade, e nesse caso talvez ele controlasse a situação junto aos outros chefes. Se não me engano, em algum momento Castello Branco (Chefe do Estado-Maior do Exercito) correu o risco de ser preso. Aliás, ele conspirava abertamente, e quando foi chamado às falas, negou, e se safou, para continuar conspirando. Uma coisa é certa: o golpe foi muito mal preparado. Foi tudo muito incompetente. Essa é a parte que os militares escondem.

Vocês sabiam que Brizola chamou Jango para resistir no Rio Grande do Sul, onde o comandante do III Exército, General Ladário Telles, era legalista ? Brizola tencionava repetir o feito de 1961, só que dessa vez seria exatamente a guerra civil. Aquele estado seria uma espécie de “república livre”. Nós todos iríamos para lá. Não ficaríamos sob as ordens dos militares, se tínhamos escolha, coerência, e respeito próprio. Tudo isso foi esquecido…

Exatamente o comportamento de fuga de  Jango é que faz com que o golpe pareça desnecessário, uma reação desproporcional dos militares. Mas isso foi uma surpresa para eles ( e para nós). Vocês sabiam que a recusa de Jango em resistir fez com que Brizola ficasse 12 anos sem falar com ele, indignado com sua covardia? A desculpa de Jango foi clássica : queria evitar derramamento de sangue. É, havia mesmo esse risco, o que mostra que os militares não saíram tranquilamente dos quartéis para depor um presidente, assim, como se fosse bolinho.

No dia do comício da Central, dia 13 de março, quando Jango perdeu a cabeça de vez, eu fui ao Rio levar dois portes de armas. Um para Serra e outro para Marcelo Cerqueira , do Partido Comunista, e vice-presidente da UNE para Assuntos Nacionais. Com a anistia Marcelo tornou-se deputado federal. (Quem se interessar por saber qual era minha posição política pode ler a crônica “Crimes contra o Estado”, que está no blog) Quando entreguei as carteiras, Marcelo disse : ” Olha Serra, se alguém se meter comigo eu mostro essa carteira e digo que tenho porte de arma”. Brincadeira sem graça. Fomos juntos para o comício. Serra subiu no palanque. Eu fiquei embaixo, junto com o populacho, vendo Jango berrando, se deixando empolgar pelas próprias palavras, ao lado do constrangido ministro da Guerra. Mas passei muito mais tempo olhando a deslumbrante Maria Tereza, debaixo dos holofotes, vestida com um conjunto azul acetinado.  (foto abaixo do título)

Não pensem vocês que nós éramos burríssimos, e não levávamos em conta a possibilidade dos militares tentarem derrubar Jango. Estávamos carecas de pensar nisso, dia e noite. O Partido Comunista, muito mais experiente, era voz discordante em quase tudo que queriamos, sempre pedindo mais cautela. (Grande Partidão, sabia que se desse errado os primeiros a serem perseguidos seriam eles, o que de fato aconteceu) .Mas, era uma orgia – a volúpia de exigir, negociar, e ganhar. O que não podíamos adivinhar, o que não passava pela cabeça de ninguém, é que não haveria reação, que Jango seria tão covarde e pudesse cair fora sem dar um tiro, recusando os apelos para que resistisse.

Quando houve o golpe, a indecisão de Jango fez com que os militares que estavam a seu favor fossem, devagarzinho, passando para o outro lado. Um bom exemplo é o do general Nicolau Fico, que comandava as tropas em Brasília. Confusão de um lado, e determinação do outro, os milicos foram aderindo, claro. Quando o general Mourão saiu de Juiz de Fora, levando suas despreparadas tropas da 4a. Região Militar em direção ao Rio, sem avisar ninguém, Castelo Branco arrancou os cabelos, pensou que estivesse tudo perdido, o golpe iria fracassar. O brigadeiro Francisco Teixeira, comandante da 3a.Zona Aérea, propos bombardear as tropas ainda na estrada. Jango não quis. Se ele tivesse pagado para ver, todo um imenso esquema de greves, um esquema estudantil, e um problema militar estaria criado. Com a cisão entre os milicos haveria chances para a guerrilha. Ninguém poderia prever os acontecimentos que se sucederiam. Certamente o golpe seria vitorioso, mas é dificil estimar o alcance dessa vitória.

Talvez fosse possivel a solução de Jango continuar presidente, mas completamente desmoralizado, traindo todas as suas promesas, fazendo tudo o que os militares queriam, tutelado até o final  do mandato, e chegaríamos  às eleições em 1965, com a vitória de Juscelino. Teria havido alguma repressão, muitas prisões, sem duvida o estado de sítio, mas, a ditadura teria sido evitada. Mas, são conjecturas. Talvez fosse impossivel dominar a imensa e desorganizada máquina de esquerda, sem a deposição do presidente. O poderoso Kruel propos a Jango: Feche a UNE, feche a CGT, faça isso e aquilo e você tem o meu apoio. Jango “altivamente” recusou a oferta. Mas se era para fugir, e nos deixar sofrendo as consequências, foi pura sacanagem.

Já encheu o saco usar o golpe de 1964 como passaporte para se poder falar das intenções golpistas do PT. É aquilo: primeiro se mete o pau nos militares para depois se falar sobre o risco institucional que corremos. ( O início do artigo do Carlos Alberto di Franco). Tomem coragem. Digam a verdade.

Repito: Se Jango houvesse resistido, se ele tivesse dado um murro na mesa, conversado com os generais que ainda defendiam a legalidade, muita coisa poderia acontecer, não se iludam. A CGT recentemente criada, tinha 700 mil filiados (se não me engano). Mas, tudo que havia sido preparado, supunha um governo resistindo à sua deposição. E Jango estava anos-luz de ser um sujeito valente. Graças a Deus.

Vejam o clima de guerra nos dias do golpe. Nós, em Brasília, recebíamos as notícias através da Radio Nacional, do Rio, se me lembro bem. Tudo era bom para nós, estávamos ganhando! Sim, Kruel se posicionara ao nosso lado, Lacerda estava cercado pelos fuzileiros navais ( isso acho que foi verdade), e assim por diante. Claro que não éramos bobos. Desconfiávamos de que poderia ser diferente. Ligávamos para outras cidades, mas naquele tempo as ligações eram demoradas. Ficamos dois dias sem saber o que pensar. De qualquer forma tínhamos a certeza de que alguma luta seria travada. Então vimos que Jango havia fugido para Brasília ( “o unico presidente no mundo que no golpe de estado foge para a capital”, segundo Millor Fernandes), e as coisas começaram a se encaixar. Fui ao Palácio do Planalto, que já se encontrava às moscas, e então algo sensacional aconteceu: Eu vi Darcy Ribeiro (Chefe da Casa Civil), correndo para deixar uma sala. Dei um grito: ” Professor, quem está ganhando?” Éramos velhos conhecidos. Ele parou, olhou para mim, e gritou : “Nós! Nós estamos ganhando!” Abriu uma porta e sumiu. Só fui vê-lo outra vez em 1976, quando jantamos juntos no Rio, ele vindo do exílio. Perceberam que não foi um golpe com as cartas marcadas ? Uma quartelada tranquila ? Que ao entrar nessa empreitada os militares não tinham muita certeza do que iria ocorrer?

O tempo provou que os ministro militares que tentaram impedir a posse de Jango em 1961, Dennys, Moss, e Heck, estavam certos. O que eles previam aconteceu. Naquela ocasião Brizola, governador do Rio Grande do Sul, resistiu, galvanizou o país e ganhou a parada. Teve o apoio do general comandante do Terceiro Exército, Machado Lopes. Estive com Brizola depois do exílio e perguntei : ” De que maneira o senhor convenceu o Machado Lopes, como é que ele saiu da conversa no Palácio Piratini direto para um pronunciamento contra os golpistas do Rio? “A resposta foi o mais puro Brizola : ” Se ele não tivesse concordado não teria saído do palácio”. Em nosso cenário político, até hoje, só ví três homens com coragem física: O Marechal Lott, Tancredo e Brizola. Pouco antes do golpe participei de uma enorme manifestação na Secretaria de Saúde em Belo Horizonte. Estavam presentes todos os maiores líderes sindicais do país. Naquela noite a população da cidade se revoltou, cercou a Secretaria, e pela primeira vez viu-se uma reação contra o que estava acontecendo no país. A cerimônia no interior do prédio não conseguiu chegar ao fim. Tive inteira convicção da importância do que acontecera, e chegando em Brasília convoquei o meu grupo para dizer que a reação havia afinal se manifestado, e que dali para a frente haviam se acabado os dias de rosas e de vinho. Fiquei impressionado com a postura de Brizola, e por isso estou contando o episódio. Saímos andando apressados pela avenida em frente à Secretaria. Eu estava ao seu lado. Sua segurança era feita por fuzileiros navais, que tentavam leva-lo para o carro e dalí escapar da multidão. As pessoas, furiosas, estavam a um metro da sua cabeça, gritavam, insultavam, levantavam as mãos em sua direção, elas roçavam em mim, olhei para ele, e o homem nem piscava. Fiquei impressionadíssimo. O importante na história é que o povo não sabia que ele estava rodeado de fuzileiros, porque esses estavam à paisana. Não haverem agredido Brizola foi puramente a sua impressionante presença.

Sobre o porquê da não reação de Jango pode-se escrever um livro. Apenas cito dois fatos, que são uma análise muito pessoal, e demandariam uma enorme explicação. É melhor o leitor não levar a sério, mas… Ele era coxo, puxava de uma perna, e tinha fama nacional de ser corno, de ser passado para trás por sua belíssima mulher. Fatores psíquicos, muito importantes para mim. Em uma análise política pode-se dizer que havia todo um histórico de peleguismo, de oportunismo, em sua vida. Um homem de poucas convicções, mas fascinado pela oportunidade de se afirmar através da esquerda. Muito diferente, por exemplo,  de Arraes, um comuna frio e decidido.

Carlos Lacerda era governador do Rio. Vivia atacando Jango. Um belo dia faz um discurso na TV e disse: ” é necessário pegar o touro vermelho pelos chifres”, uma clara alusão á fama de corno do presidente e ao seu “comunismo”. Jango ficou furioso (fato raro), e os militares também não gostaram nada. Além de conservadores, se sentiram desrespeitados, pois afinal, tratava-se do comandante-em chefe. Ficou combinado que no próximo discurso de Lacerda ( que já tinha data marcada), se ele novamente ofendesse o presidente seria decretada a intervenção no estado. Lacerda ficou sabendo e só tratou de problemas administrativos em seu discurso.

Se quiserem continuar acreditando que o golpe foi desnecessário, que não passou de uma sacanagem dos militares para pegar o poder e não soltá-lo, uma quartelada sem sentido, muito bem, vão em frente, continuem aceitando a versão que passou para a história.

Por último, um toque de inocência. Em virtude de um vácuo de poder, tornou-se reitor da Universidade de Brasília o famoso educador Anísio Teixeira, que era um velhinho muito doce. Pois bem, uma semana depois de consolidado o golpe, depois do mundo haver virado de cabeça para baixo, chega na reitoria um coronel com seus soldados. Aos pontapés o coronel entra no gabinete, grosseiramente se apresenta, e diz para o reitor mandar todos os professores desocuparem imediatamente os apartamentos da Petrobrás porque ele precisava deles. Anísio Teixeira ficou basbaque, não entendeu nada, e na sua confusão o coitadinho ainda balbuciou: ” Mas, o general Osvino não é mais presidente da Petrobrás ?” A pergunta deve ter desconcertado o coronel. O general Osvino foi um dos primeiros a serem presos e, segundo se dizia na época, estava sendo surrado ( o que eu não acredito porque os generais não costumam fazer isso com seus colegas. Parece que a única exceção foi o Almirante Aragão, que teria sido torturado).

Ainda um último parágrafo nessa exposição que já se alongou demais: Vamos deixar de conversa fiada. O país estava partindo para um outro tipo de regime, a bagunça instalada nas ruas, um Congresso insano e as Forças Armadas perdendo o controle dos quartéis. Não havíamos chegado ao que aconteceu nove anos depois no Chile, Jango não era comuna, feito Allende, mas um demagogo, que sentiu que só faria algum sentido como presidente se estivesse aliado com a esquerda, que por sua vez foi se tornando cada vez mais exigente. Quando foi vice-presidente no governo Juscelino não passava de um pelego (muito bem usado pelo mineiro genial), e depois , na presidência, pensou que havia achado finalmente o seu caminho para ser um grande lider. Seu entusiasmo crescia ao mesmo tempo em que perdia sua base de sustentação entre os líderes moderados do país. Ao seu lado formou-se um núcleo de comunistas-socialistas que concluiu que o país tinha condições de mudar, de promover grandes reformas socializantes. Tornou-se exatamente o que as Forças Armadas pensavam: um joguete de forças que não poderia controlar, um aprendiz de feiticeiro. E essas forças começaram a tentar se impor ao país, algumas vezes com seu apoio, e outras vezes não. Jango parecia um yo-yo. Quando deixou de ser ambíguo, imprevisivel, e se definiu dramaticamente pela república sindicalista foi o momento da queda. Um comportamento que tinha alguma coisa de suicida, de um homem atormentado por decisões muito acima de sua capacidade. Meteu-se por puro desejo de afirmação num jogo para o qual nunca esteve preparado. E terminou da pior forma possivel, humilhado pela falta de coragem. Deveria ter ido para o Rio Grande do Sul, mas graças a Deus isso não aconteceu. Agiram muito bem os militares, até o momento em que passaram a gostar além da conta do poder.

** Sobre o “Grupo dos Onze Companheiros” ninguém nunca entendeu direito o que fosse. Parece que Brizola havia pensado em organizações para- militares em que o número ideal fosse de 11 pessoas, cada uma com um papel definido quando chegasse o momento de agir. Não me lembro de haver conhecido nenhum membro desse grupo, embora naquela ocasião tivessse acesso a quase tudo que fosse secreto.  Alguns dizem que o número está relacionado com time de futebol. Havia uma auréola de respeito por esses grupos. Achávamos que funcionariam na hora do pega prá capar, o que não aconteceu. Acho que essa confiança estava relacionada com o enorme respeito que tínhamos por Brizola, que era, de corpo e alma, um homem de ação.

Apenas como sugestão do blog: Alguém deveria aconselhar a Dilma a deixar que as tropas democraticamente escolham seus ministros militares.


 

10 setembro, 2010 às 11:01

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Categoria: Artigos

Comentários (3)

 

  1. ÁLVARO JUNQUEIRA disse:

    Sem falar que toda aquela agitação esquerdista era totalmente teleguiada por Moscou. Muitos talvez nem soubessem disso, mas os capos certamente sabiam e usava o resto como bucha de canhão. Quem tiver dúvida, leia o livro “Camaradas” do William Waack.

    • claudiomafra disse:

      Caro Álvaro,

      eu não li o livro do Waack, da mesma forma que deixei de lado o Gáspari. Não senti falta porque vivi os acontecimentos muito mais do que eles. Estive duas vezes com o Castelo Branco ( o que eu falei com ele foi a manchete principal do jornal Última Hora em letras garrafais : “Estudante ao presidente: Basta de prisões sr. Presidente!”, e claro que não foi assim ou teria sido preso alí mesmo, dentro ao palácio!). Estive com um Juscelino amargurado, em N.Yorque, durante o exílio, em 1965, e penso escrever sobre essa entrevista. O que era teleguiado de Moscou era a atuação do Partido Comunista, mas, quanto a nós estudantes, não era o caso. A AP era majoritária no meio estudantil e não concordávamos com os comunas, éramos adversários -eles pensando que nos estavam usando, na base dos inocentes úteis – o que mostra que faltava um bocado de autocrítica porque , modéstia à parte, éramos bem mais inteligentes Um abraço, Claudio Mafra

  2. Osmar disse:

    Mafra, estou impressionadíssimo! Eu não sabia desse seu passado de testemunha ocular da História! Precisamos conversar sobre isso, OK?

    Grande abraço,

    Osmar

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