Spontaneous Prose
EU CHEGUEI usando a máscara chinesa mas logo me reconheceram, a dona da casa gritou o meu nome e disse ” que máscara linda”, e entreguei o presente da menina, mas continuei por alí, recebendo elogios, e “como vai você”, então fiquei cumprimentando algumas pessoas e era uma chatice dizer “adivinha quem eu sou”, o tipo da coisa que mostra um desembaraço que eu não tenho, ainda mais com os convidados que eu mal conhecia, e ninguém mais estava fantasiado, apenas alguns meninos, mas fiquei satisfeito porque sabia que animava a festa chegando mascarado, para mim era um esforço, mas sabia que tudo era louco da minha parte, procurava pela mulher que me dava corda e jamais me trocaria pelo seu namorado, e teorizava a mil por hora me sentindo integrado nesse drama do homem não correspondido e fui tão longe que até pensei nos gregos, que coisa mais doida a maneira como fico me torturando e ao mesmo tempo o metafísico solitário, e não paro nunca, e de repente eu vejo essa mulher com a sua filha, o coração bate forte, e achei melhor me sentar e tomar um uísque com gelo para ver se ficava um pouco chapado, mas não demorou muito e já havia me virado e a observava sentada num sofá, mas ela não me via porque eu estava do lado de fora, então não resisti, saí do jardim, dei a volta e entrei pela porta do lado, parando exatamente na sua frente, cruzei os braços me encostei na parede, fiquei ali estático olhando para ela, assim até que é facil, protegido pela máscara podia ver o lindo sorriso que abriu para mim, sabendo que sou eu sem que me exponha, e insisti nos detalhes, uma vez, mais outra, e outra, sem medo de nada, e na farsa mexia com a cabeça como se estivesse olhando para todos, mas percebi que ia estragar tudo se não fosse embora tão silencioso quanto chegara, e quase que eu disse “achou bonita ?” mas tive força para ficar calado e voltar para a mesa do jardim e continuei a beber e agora via essa moça tão triste, e fiquei olhando muito tempo, ela não se incomodou o mínimo, era como se ninguém estivesse alí, e o sujeito que me conhecia e que já estava alto começou a me fazer perguntas, um tipo que tinha admiração por mim, sem saber que ele era o samurai, e não eu -no filme do Kurozawa – mas virei a cabeça para trás e vi o sofá vazio, apenas a filha com outra menina e foi tão rápido, percebo que ela já está no jardim, vai se sentar ao meu lado quando uma estranha enfiou uma cadeira entre nós dois e com uma voz rouca me perguntou aonde eu havia arrumado a máscara, e a única coisa que eu disse foi : “você é de parar o trânsito”, e ela se surpreendeu e repetiu para o homem lá na ponta da mesa,”ele me disse que eu sou de parar o trânsito”, então todo mundo riu mesmo escutando mal e sem entender muito, mas não fez nenhuma diferença, e o sujeito que me achava “ele é muito inteligente” concordou, e ela continuou perguntando quem eu era, mas já sabia, é claro, e estava curiosa para me conhecer, o cara que aparecia assim, com uma máscara daquele tamanho, e meu interesse por ela era nenhum mas mesmo assim observei que se vestia de uma maneira completamente diferente, um chapeu grande de vaqueiro que nem de longe parecia fantasia, pensei que com seu tipo poderia usa-lo todos os dias, e as mãos cheia de aneis grandes, colar de caveira, argolas nos braços muito bonitos queimados de sol e de pele acetinada, e as unhas pintadas de várias cores, procurei por algum pince no rosto mas não havia nada, e agora resolveu me perguntar qual era minha altura, e eu respondi: “1metro e oitenta e um”.
QUANDO CHEGUEI em casa ela me telefonou, e foi assim, e nem posso acreditar que já possa ter quase um ano, essa mulher e a maneira diferente de se vestir, e eu não sabia que aqueles grandes aneis e colares metalizados sempre feios também poderiam ser tão bonitos, e assim outra vez me espanto com a minha arrogância porque tenho opinião formada sobre tudo, mesmo nas coisas mais simples, e eu gostava de vê-la escolhendo que roupa iria usar, e seu corpo espetacular, e não bebia, e era careta, e me surpreendia em tantas coisas, e me beijava apaixonadamente, era doce mas também era possessiva, podia ser dura, e logo descobri que eu entrava numa noite escura, que ela nunca seria verdadeiramente minha, e que estranha a traição nos olhos das suas amigas que a adulavam porque ao seu lado afastavam o tédio e a pobreza , e eu tomava remédios que me faziam mal, e nem me importava mais, os nervos a flor da pele, e estava amargo e sofria, e por isso lá longe, na sua fazenda perto de Diamantina, a casa cheia de convidados, eu, o namorado que não se encaixava em nada, a chamei para a varanda e antes que pudesse abrir a boca ela disse ” eu tenho sido uma namorada muito descuidada, não tenho dado atenção para você”, mas não acreditei, tinha certeza de que a sufocava, não queria que a iniciativa do rompimento partisse dela e assim eu disse que deviamos nos separar, chorou baixinho, mas percebi que não me enganara, no outro dia de manhã peguei o carro e fui embora. Voltamos a nos encontrar muitas vezes. Um dia de manhã telefonou dizendo que estava acabado. Houve abandono e sofrimento e reavaliei tanto meu passado que nem sei o que dizer. Por ela ser tão diferente de tudo o que eu havia procurado me fez descobrir, tristíssimo, o quanto eu havia sido cego durante toda a minha vida. E foi assim, amor, tristeza, sem compaixão.
ELA ME LIGOU quando eu já estava em outra cidade, antes que pegasse o avião para o exterior. Ainda tinha ciúmes. Queria saber com que mulher eu ficaria durante a viagem. Poucos dias depois eu telefonei da África do Sul, fui horrivel, vingativo, e comecei dizendo “Feliz dia das Mães!” para depois pedir que me deixasse em paz. A manhã seguinte foram das minhas desculpas envergonhadas, e nem sei o que ela me respondeu.
ELA ME LIGOU quando eu estava em Londres e disse que havia se lembrado de mim.
Por Deus, quanta infelicidade!
Comentários (2)
Bela cronica!!
Obrigado, Ceni.