Para entender Israel :Um aspecto da complexidade psíquica israelense-“Eichmann em Jerusalem -Hannah Arendt”
nota do blog: Meu objetivo ao transcrever um pequeno trecho do famoso livro “Eichmann em Jerusalem – a banalidade do mal”, de Hannah Arendt, é o de sugerir um approach da psique básica da nação israelense. Entendo que ela é composta principalmente por dois fatores ligados ao Holocausto. A falta de COMBATIVIDADE dos judeus, que se deixaram levar sem resistência para o extermínio, e a COOPERAÇÃO dos judeus com os nazistas dentro e fora dos campos da morte. Essas poucas páginas do livro de Hannah Arendt tratam apenas da COOPERAÇÃO, e não coloquei tudo o que Hannah escreveu porque seria muito longo. A COMBATIVIDADE não está nesse texto, e refere-se ao fato dos judeus haverem marchado para a morte sem resistência. Quem não meditou sobre esses transcedentais acontecimentos não é capaz de compreender Israel.
Os que lêem os meus artigos sabem que sou a favor dos israelenses e contrário ao Islã. Não concordo com o judeu- não judeu, isto é, o judeu de esquerda, que passa a vida antagonizando Israel. Henry Miller pergunta em Trópico de Cancer : ” Quem odeia mais os judeus do que o próprio judeu ?” No entanto, gosto muito de Woody Allen ( quem não gosta?) e não me incomoda que ele seja exatamente o judeu Liberal, que conta piadas de gheto. Um gênio, e ótimo exemplo da complexidade do caráter judaico.
Quem se detiver apenas neste texto pode interpretar mal a linha do blog. Por isso recomendo ler meu artigo: “Israel – texto e fotos” – publicado em 12 de janeiro de 2010.
HANNAH ARENDT
(do livro Eichmann em Jerusalém)
A mera aquiescência não seria suficiente nem para uniformizar as enormes dificuldades de uma operação que logo abarcaria a totalidade da Europa ocupada ou aliada, nem para acalmar as consciências dos operadores que, afinal de contas, tinham sito criados com o mandamento “Não matarás” e conheciam o versículo da Bíblia “Mataste e herdaste”, tão adequadamente citado no julgamento da Corte Distrital de Jerusalém. Aquilo que Eichmann chamou de “turbilhão de morte”, que se abateu sobre a Alemanha depois das imensas perdas de Stalingrado — os bombardeios incessantes de cidades alemãs, desculpa usual de Eichmann para o morticínio de civis, e ainda em curso na Alemanha — tornando corriqueira a visão de coisas diferentes das atrocidades relatadas em Jerusalém, mas não menos horríveis, pode bem ter contribuído para abater, ou melhor, extinguir a consciência, se é que sobrava ainda alguma consciência quando isso aconteceu; contudo, não era isso o que a evidência empírica indicava. A máquina de extermínio havia sido planejada e aperfeiçoada em todos os detalhes muito antes do horror da guerra atingir a própria Alemanha, e sua intrincada burocracia funcionou com a mesma impassível precisão tanto nos anos de vitória fácil como naqueles de derrota previsível. No começo, quando as pessoas podiam ter ainda alguma consciência, quase não ocorreram deserções entre a elite governante e os comandantes superiores da ss; essas defecções se fizeram notar só quando ficou evidente que a Alemanha ia perder a guerra. Além disso, essas perdas nunca foram sérias a ponto de desequilibrar a máquina; elas consistiam em atos individuais não de misericórdia, mas de corrupção, inspirados não pela consciência, mas pelo desejo de guardar algum dinheiro ou alguns contatos para os dias sombrios que estavam por vir. A ordem de suspender o extermínio e desmontar as instalações dos pavilhões da morte, dada por Himmler no outono de 1944, brotou de sua absurda, mas sincera convicção de que os poderes aliados saberiam como apreciar esse gesto de atenção; ele contou a um incrédulo Eichmann que com isso ele poderia negociar uma Hubertusburger-Frieden — alusão ao Tratado de Paz de Hubertusburg que encerrou a Guerra dos Sete Anos de Frederico II da Prússia, em 1763, e permitiu que a Prússia retivesse a Silésia, apesar de ter perdido a guerra.
Eichmann contou que o fator mais potente para acalmar a sua própria consciência foi o simples fato de não ver ninguém, absolutamente ninguém, efetivamente contrário à Solução Final. Ele encontrou uma exceção, porém, que mencionou diversas vezes e que deve tê-lo impressionado muito. Foi na Hungria, quando ele estava negociando com o dr. Kastner a oferta de Himmler de libertar um milhão de judeus em troca de 10 mil caminhões. Kastner, aparentemente fortalecido pelo novo rumo das coisas, pediu a Eichmann que parasse “os moinhos de morte de Auschwitz”, e Eichmann respondeu que o faria “com o maior prazer” (herzlich gern), mas que infelizmente isso estava fora de sua alçada e fora da alçada de seus superiores, como de fato estava. Evidentemente, ele não esperava que os judeus compartilhassem o entusiasmo geral por destruição, mas esperava mais que complacência. Esperava — e recebeu, a um ponto verdadeiramente extraordinário — a cooperação deles. Isso era “evidentemente, a pedra angular” de tudo o que fazia, como havia sido a pedra angular de suas atividades em Viena. Não fosse a ajuda judaica no trabalho administrativo e policial — o agrupamento dos judeus de Berlim foi, como já mencionei, feito inteiramente pela polícia judaica —, teria ocorrido ou o caos absoluto ou uma drenagem extremamente significativa do potencial humano alemão. (“Não há dúvida de que, sem a cooperação das vítimas, dificilmente teria sido possível para uns poucos milhares de pessoas, a maioria das quais, além de tudo, trabalhava em escritórios, liquidar muitas centenas de milhares de pessoas […] Ao longo de todo o caminho para as suas mortes, os judeus poloneses não viam mais que um punhado de alemães.” Assim se expressa R. Pendorf na publicação mencionada acima. Isso se aplica em medida ainda maior aos judeus que foram transportados à Polônia para lá morrer.) Daí que o estabelecimento de governos de fachada em territórios ocupados fosse sempre acompanhado pela organização de um escritório judeu central; e como veremos mais tarde, nos lugares onde os nazistas não conseguiram estabelecer um governo marionete, fracassou também a obtenção da cooperação dos judeus. Mas enquanto os membros dos governos de fachada eram geralmente escolhidos entre os partidos de oposição, os membros dos Conselhos Judeus eram, como regra, os líderes judeus regionalmente reconhecidos, a quem os nazistas davam enormes poderes — até eles também serem deportados para Theresienstadt ou Bergen-Belsen, se eram da Europa Central ou Oriental, ou para Auschwitz, se eram da comunidade da Europa Ocidental.
Para um judeu, o papel desempenhado pelos líderes judeus na destruição de seu próprio povo é, sem nenhuma dúvida, o capítulo mais sombrio de toda uma história de sombras. Isso já era sabido antes, mas agora foi exposto pela primeira vez em todos os seus patéticos e sórdidos detalhes por Raul Hilberg, cuja obra The Destruction of the European Jews, já mencionei antes. Na questão da cooperação, não havia diferença entre as comunidades altamente assimiladas da Europa Central e Ocidental e as massas falantes do iídiche no Leste. Em Amsterdã assim como em Varsóvia, em Berlim como em Budapeste, os funcionários judeus mereciam toda confiança ao compilar as listas de pessoas e de suas propriedades, ao reter o dinheiro dos deportados para abater as despesas de sua deportação e extermínio, ao controlar os apartamentos vazios, ao suprir forças policiais para ajudar a prender os judeus e conduzi-los aos trens, e até, num último gesto, ao entregar os bens da comunidade judaica em ordem para o confisco final. Eles distribuíam os emblemas da Estrela Amarela e, às vezes, como em Varsóvia, “a venda de braçadeiras tornou-se um negócio normal; havia as faixas comuns de pano e as faixas especiais de plástico que eram laváveis”. Nos manifestos que publicavam, inspirados pelos nazistas, mas não ditados pelos nazistas, ainda se pode perceber o quanto gostavam de seus novos poderes — “O Conselho Judeu Central foi brindado com o direito de dispor absolutamente de toda riqueza espiritual e material dos judeus e de toda força de trabalho judaica”, como dizia o primeiro anúncio do Conselho de Budapeste. Sabemos o que sentiam os funcionários judeus quando se transformaram em instrumentos de assassinatos: como capitães “cujos navios estavam a ponto de afundar e que conseguiam levá-lo em segurança até o porto atirando ao mar parte de sua preciosa carga”; como salvadores que “com cem vítimas salvam mil pessoas, com mil salvavam 10 mil”. A verdade era ainda mais terrível. O dr. Kastner, da Hungria, por exemplo, salvou exatamente 1684 pessoas entre cerca de 476 mil vítimas. A fim de não deixar a seleção a cargo do “destino cego”, eram necessários “princípios realmente sagrados como força guia para a fraca mão humana que registra no papel o nome de uma pessoa desconhecida e com isso decide sua vida ou sua morte”. E quem esses “princípios sagrados” selecionavam para salvação? Aqueles “que haviam trabalhado toda a vida pela zibur [comunidade]” — isto é, os funcionários — e os “judeus mais importantes”, como diz Kastner em seu relato.
Ninguém se dava ao trabalho de fazer os funcionários judeus jurar segredo; eles eram “portadores de segredos” voluntários, fosse para garantir a calma e evitar pânico, como no caso do dr. Kastner, fosse por considerações “humanas” — pois “viver na expectativa da morte por gás só podia ser pior”, como pensava o dr. Leo Baeck, ex-rabino-chefe de Berlim. Durante o julgamento de Eichmann, uma testemujnha falou das conseqüências infelizes desse tipo de “humanidade” — as pessoas se apresentavam voluntariamente para a deportação de Theresienstadt para Auschwitz e denunciavam como “insanas” aquelas que tentavam lhes dizer a verdade. Conhecemos muito bem o perfil dos líderes judeus durante o período nazista; eles variavam desde Chaim Rumkowski, Ancião dos Judeus de Lódz, chamado Chaim I, que expediu cédulas de dinheiro com sua assinatura e selos de correio com seu retrato, e andava numa velha carruagem puxada a cavalo; até Leo Baeck, educado, de boas maneiras, altamente ilustrado, que acreditava que policiais judeus seriam “mais gentis e atenciosos” e iriam “aliviar a carga” (quando, de fato, eles eram evidentemente mais brutais e menos corruptíveis, uma vez que para eles havia muito mais em jogo); até, finalmente, uns poucos que cometeram suicídio — como Adam Czerniakow, presidente do Conselho Judeu de Varsóvia, que não era rabino, e sim um descrente engenheiro judeu de língua polonesa, mas que devia ainda lembrar o dito rabínico: “Deixe que matem você, mas não cruze a linha”.
Era quase evidente que a acusação em Jerusalém, tão cuidadosa em não atravancar a administração Adenauer, devia ter evitado, por razões maiores e mais evidentes, trazer à baila esse capítulo da história. (Essas questões, porém, foram discutidas muito abertamente e com surpreendente franqueza nos livros escolares israelenses — como se pode depreender do artigo “Young Israelis and Jews Abroad — A Study of Selected History Textbooks”, de Mark M. Krug, em Comparative Education Review, outubro de 1963). O capítulo teve de ser incluído ali, porque esclarecia certas lacunas inexplicáveis na documentação de um caso em geral superdocumentado. Os juízes mencionaram um desses exemplos, a ausência do livro Theresienstadt 1941-1945 (1955), de H. G. Adler, que a acusação, um tanto embaraçada admitiu ser “autêntico, baseado em fontes irrefutáveis”. A razão da omissão é clara. O livro descreve em detalhes como as temidas “listas de transporte” eram elaboradas pelo Conselho Judeu de Theresienstadt depois que a ss fornecia diretivas gerais, estipulando quantos deviam ser enviados, de que idade, sexo, profissão e país de origem. A acusação teria enfraquecido seu argumento se fosse forçada a admitir que a escolha dos indivíduos mandados para o fim era, com poucas exceções, tarefa da administração judaica. E o Procurados do Estado, Sr. Ya’akov Baror, que controlou a intervenção desde o banco, de certa forma indicou isso ao dizer: “Estou tentando trazer à baila coisas que de certa forma se referem ao acusado sem prejudicar o quadro em seu todo”. O quadro teria sido realmente muito prejudicado com a inclusão do livro de Adler, uma vez que ele teria contrariado o testemunho dado pela principal testemunha do Theresienstadt, que disse que o próprio Eichmann fazia essas seleções individuais. Mais importante ainda, o quadro geral da acusação traçando uma nítida divisão entre perseguidores e vítimas teria sido muito prejudicado. Revelar provas que não servem para a acusação é, em geral, tarefa da defesa, e é difícil responder por que o dr. Servatius, que chegou a perceber pequenas contradições no testemunho, não se valeu dessa documentação bem conhecida e tão fácil de obter. Ele podia ter apontado o fato de Eichmnann, logo depois de ser transformado de perito em emigração em perito em “evacuação”, ter nomeado seus velhos colaboradores judeus no negócio da emigração — o dr. Paul Eppstein, que tinha sido encarregado da emigração em Berlim, e o rabino Benjamin Murmelsteis, que tinha o mesmo posto em Viena — como “Anciãos Judeus” em Theresienstadt. Isso teria feito mais para demonstrar a atmosfera em que Eichmann trabalhava do que toda a conversa desagradável e muitas vezes diretamente ofensiva sobre juramentos, lealdade, e as virtudes da obediência inquestionada.
O testemunho da Sra. Charlotte Salzberger sobre Theresienstadt, do qual fiz citações acima, nos permitiu olhar pelo menos de relance esse canto negligenciado daquilo que a acusação chamava sempre de “quadro geral”. O juiz presidente não gostou do termo e não gostou do quadro. Ele disse diversas vezes ao Procurador-Geral que “aqui não estamos desenhando quadros”, aqui temos “um indiciamento e esse indiciamento é a base de nosso julgamento”, que a corte “tinha sua própria opinião sobre esse julgamento, de acordo com o indiciamento” e que “a acusação tem de se adequar ao que a corte estabelece” — admoestações admiráveis para um processo criminal, nenhuma das quais foi atendida. A acusação não apenas as desdenhou como simplesmente se recusou a interrogar ativamente suas testemunhas — se a corte ficava muito insistente, fazia-lhes algumas perguntas ao acaso, sem o menor rigor, resultando disso que as testemunhas se comportavam como se fossem oradores numa reunião patrocinada pelo Procurador-Geral, que as apresentava à platéia antes que tomassem seu lugar. Elas podiam falar quase tanto quanto quisessem, e era raro que lhes fizessem uma pergunta específica.
Essa atmosfera, não de um julgamento-espetáculo, mas de uma reunião de massa, na qual orador após orador faz o que pode para comover a platéia, foi especialmente notável quando a acusação chamou testemunha após testemunha para fazer declarações sobre o levante no gueto de Varsóvia e outras tentativas semelhantes em Vilna e Kovno — assuntos que não tinham nenhuma relação com os crimes do acusado. O testemunho dessas pessoas teria contribuído com alguma coisa para o julgamento se eles tivessem falado das atividades dos Conselhos Judeus, que desempenharam um papel tão grande e desastroso naqueles esforços heróicos. Evidentemente, houve menções a isso: ao se falar dos “homens da ss e seus ajudantes”, algumas testemunhas disseram incluir entre estes últimos “a polícia do gueto, que também era um instrumento nas mãos dos assassinos nazistas”, além do Judenrat, mas não “elaboravam” esse lado da história, preferindo mudar a discussão para o papel dos verdadeiros traidores, que eram poucos, e que eram “gente sem nome, desconhecidos do público judeu”, e em cujas mãos sofreram todos os clandestinos que lutaram contra os nazistas. (Enquanto essas testemunhas falavam, a platéia mudara de novo; era agora constituída de Kibutznikim, membros dos assentamentos comunais israelenses aos quais pertenciam os oradores). O relato mais puro e claro foi feito por Zivia Lubetkin Zuckerman, então uma mulher de cerca de quarenta anos, ainda muito bonita, completamente desprovida de sentimentalismo ou auto-indulgência. Seus fatos eram bem organizados e sempre bastante pertinentes ao que ela queria demonstrar. Legalmente, as declarações dessas testemunhas eram irrelevantes — o Sr. Hausner não mencionou nenhum deles em seu discurso de encerramento —, a não ser na medida em que constituíam prova de contatos próximos entre guerrilheiros judeus e combatentes clandestinos poloneses e russos, coisa que, além de contradizer outros testemunhos (“Tínhamos toda a população contra nós”), podia ter sido útil para a defesa, uma vez que oferecia uma justificativa melhor para a execução em massa de civis do que a insistente alegação de Eichmann de que “Weizmamm havia declarado guerra à Alemanha em 1939”. (Isso era bobagem pura. Tudo o que Chaim Weizmann disse, no encerramento do último congresso sionista antes da guerra, foi que a guerra das democracias ocidentais “é nossa guerra, sua luta é nossa luta”. A tragédia, como Hausner apontou corretamente, era precisamente que os judeus não eram reconhecidos como beligerantes pelos nazistas, porque se o fossem teriam sobrevivido em campos de prisioneiros de guerra ou de internamento de civis). Se o dr. Servatius tivesse feito essa observação, a acusação teria sido forçada a admitir que esses grupos de resistência eram miseravelmente pequenos e essencialmente inofensivos — e, além disso, pouco representavam a população judaica, que em certo ponto chegou a pegar em armas contra eles.
Se ficava dolorosamente clara a morosa irrelevância legal de todos esses testemunhos, também não era difícil de adivinhar a intenção política do governo israelense ao apresentá-los. O Sr. Hausner (ou o Sr. Bem-Gurion) provavelmente queria demonstrar que toda resistência que pudesse ter havido vinha sempre dos sionistas, como se entre todos os judeus apenas os sionistas soubessem que, quando não se pode salvar a própria vida, talvez possa ainda valer a pena salvar a honra, como afirmou a Sra. Zuckerman; queria demonstrar que o pior que podia acontecer a um ser humano em tais circunstâncias era ser e continuar “inocente”, como ficou claro pelo teor e tendência do testemunho da Sra. Zuckerman. No entanto, essas intenções “políticas” saíram pela culatra, pois as testemunhas eram sinceras e disseram à corte que todas as organizações e partidos judaicos haviam desempenhado seu papel na resistência, de forma que a verdadeira distinção não devia ser entre sionistas e não-sionistas, mas entre povo organizado e desorganizado e, ainda mais importante, entre os jovens e os de meia-idade. Sem dúvida, os que resistiram foram minoria, uma minúscula minoria, mas nessas circunstâncias “o milagre era existir essa minoria”, como disse uma das testemunhas.
Deixando de lado as considerações legais, o comparecimento ao banco de testemunhas de ex-combatentes da resistência judaica era bem-vindo. Dissiparia o espectro da cooperação universal, dissiparia a atmosfera sufocante, envenenada, que havia circundado a Solução Final. O fato bem conhecido de que o trabalho direto dos centros de extermínio ficava usualmente nas mãos de comandos judeus foi justa e cabalmente estabelecido pelas testemunhas de acusação — como eles trabalhavam nas câmaras de gás e nos crematórios, como eles arrancavam os dentes de ouro e cortavam o cabelo dos mortos, como eles cavavam os túmulos e os desenterraram de novo para eliminar os traços do assassinato em massa; como técnicos judeus haviam construído as câmaras de gás em Theresienstadt, onde a “autonomia” dos judeus havido sido levada tão longe que até o carrasco era judeu. Mas isso era simplesmente horrível, não era um problema moral. A seleção de classificação de trabalhadores nos campos era feita pela ss, que demonstrava nítida predileção pelos elementos criminosos; e, de toda forma, só podia mesmo ser uma seleção pelos piores critérios. (Isso era especialmente verdadeiro na Polônia, onde os nazistas exterminaram uma vasta proporção de intelligentsia judaica, ao mesmo tempo em que mataram intelectuais poloneses e membros de profissões liberais — em forte contraste, diga-se de passagem, com sua política para a Europa Ocidental, onde tendiam a salvar os judeus importantes para trocá-los por civis alemães internos ou prisioneiros de guerra; Bergen-Belsen foi originalmente um campo de “troca de judeus”). O problema moral estava em quanto de verdade havia na descrição que Eichmann fez da cooperação judaica, mesmo sob as condições da Solução Final: “A formação do Conselho Judeu [em Theresienstadt] e a distribuição de negócios foi deixada à discrição do Conselho, exceto na escolha do presidente, quem seria o presidente, que dependia de nós, claro. Essa escolha, porém, não tinha a forma de uma decisão ditatorial. Os funcionários com quem mantínhamos contato constante — bem, eles tinham de ser tratados com luvas de pelica. Eles não recebiam ordens, pela simples razão de que os funcionários principais tinham sido informados de que fazer as coisas na forma de “você tem de”, “você precisa”, não ajudaria nada. Se a pessoa em questão não gosta do que está fazendo, todo o trabalho sofre […] Fizemos o possível para tornar tudo palatável”. Sem dúvida que fizeram; o problema é saber como puderam ter sucesso.
Assim, a omissão mais grave do “quadro geral” ocorria quando uma testemunha falava sobre a cooperação entre os governantes nazistas e as autoridades judaicas, e com isso dava oportunidade a que se fizesse a pergunta: “Por que você cooperou com a destruição de seu próprio povo e com sua própria ruína?”. A única testemunha que havia sido membro importante de um Judenrat foi Pinchas Freudiger, ex-barão Philip Von Freudiger, de Budapeste, e durante seu testemunho ocorreram os únicos incidentes sérios na platéia; pessoas gritaram com a testemunha em húngaro e em iídiche, e a corte teve de interromper a sessão. Freudiger, um judeu ortodoxo de considerável dignidade, ficou abalado: “Existem aqui pessoas que dizem que não foram aconselhadas a fugir. Mas 50% das pessoas que fugiram foram capturadas e mortas” — em contraste com os 95% entre as que não fugiram. “Para onde poderiam ter ido? Onde poderiam ter se abrigado?” — ele mesmo escapou para a Romênia, porque era rico e Wisliceny o ajudou. “O que poderíamos ter feito? O que poderíamos ter feito?” E a única resposta para isso veio do juiz presidente: “Não acho que isso seja resposta a uma pergunta” — a pergunta feita pela galeria, não pela corte.
A questão da cooperação foi mencionada duas vezes pelos juízes; o juiz Yitzak Raveh arrancou de uma das testemunhas da resistência a admissão de que a “polícia do gueto” era um “instrumento nas mãos dos assassinos” e conseguiu também o reconhecimento da “política de cooperação dos Judenrat com os nazistas”; e no segundo interrogatório, o juiz Halevi descobriu com Eichmann que os nazistas tinham visto essa cooperação como a pedra angular de sua política para os judeus. Mas a pergunta que o promotor fazia regularmente a cada testemunha, exceto aos combatentes, pergunta que soava tão natural àqueles que nada sabiam dos antecedentes do julgamento, a pergunta “Por que você não se rebelou?”, serviu na verdade de cortina de fumaça para a pergunta que não foi feita. E assim ocorreu que todas as respostas à pergunta irrespondível que o Sr. Hausner fez a suas testemunhas eram bem menos do que “a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade”. A verdade era que o povo judeu não era um todo organizado, que não possuía território, governo, nem exército em sua hora de maior precisão, não tinha um governo no exílio para representá-lo entre os Aliados (a Agência Judaica para a Palestina, presidida pelo dr. Weizmann, era na melhor das hipóteses um substituto miserável), nem um esconderijo de armas, nem uma juventude com treinamento militar. Mas a verdade integral é que existiam organizações comunitárias judaicas e organizações recreativas e assistenciais tanto em nível local como internacional. Onde quer que vivessem judeus, havia líderes judeus reconhecidos, e essa liderança, quase sem exceção, cooperou com os nazistas de uma forma ou de outra, por uma ou outra razão. A verdade integral era que, se o povo judeu estivesse desorganizado e sem líderes, teria havido caos e muita miséria, mas o número total de vítimas dificilmente teria ficado entre 4 milhões e meio e 6 milhões de pessoas. (Pelos cálculos de Freudiger, metade delas estaria salva de não tivesse seguido as instruções dos Conselhos Judeus. Isso, evidentemente, é uma mera estimativa, que no entanto quase coincide com os números bastante confiáveis que temos da Holanda e que devo ao dr. L. de Jong, chefe do Instituto de Estado dos Países Baixos para a Documentação de Guerra. Na Holanda, onde os Joodsche Raad, assim como todas as autoridades holandesas, logo se transformaram em “instrumentos doso nazistas”, 103 mil judeus foram deportados para os campos de extermínio e cerca de 5 mil para Theresienstadt da maneira usual, isto é, com a cooperação do Conselho Judeu. Apenas 519 judeus voltaram dos campos de extermínio. Em contraste com esse número, sobreviveram 10 mil dos 25 mil judeus que escaparam dos nazistas — e também do Conselho Judeu — e partiram para a clandestinidade; mais uma vez, de 40% a 50%. A maioria dos judeus mandada para Theresienstadt voltou para a Holanda).
Comentários (1)
Referente a não agressão, no Islã esse detalhe é CÉU C/ ALLÁH e, S/ ALLÁH, FORA DELE. Somos contra a agressão, porém somos autorizados por ALLÁH, o contra ataque da agressão… (Deixe para os leitores, ás decisões), alguém me agride ou
invade minha casa … Irei em nome de DEUS, expulsá-lo da maneira que me for possivel…