O adesismo no editorial do Estadão

Cascos duros, editorial do  Estadão, quinta-feira, dia 22.

O Brasil andou. A presidente Dilma Rousseff fez menos do que a sociedade anseia em matéria de combate à corrupção. Mas talvez tenha feito o possível, até aqui, dentro das herdadas condições em que lhe é dado governar.O editorialista tenta nos fazer acreditar que a série de explosões de corrupção no ministério da Dilma tiveram sua imediata reação, um misto de surpresa e horror que ela jamais esperaria que pudesse acontecer. Ora, ela lutou para manter o renomado ladrão Palocci, figura conhecida pelos roubos no governo Lula, um sujeito que tem um monte de processos por corrupção em Ribeirão Preto. Bem a diva escolheu esse cara, já marcado. Não contente ainda reservou na cerimônia de posse um lugar especial para a ladra Erenice, uma figura totalmente desmoralizada. Bem, o Estadão acha que Dilma foi uma vítima do maquiavélico Lula. Ela exerce o poder dependendo de uma cáfila de políticos a quem o então presidente Lula ensinou que tudo lhes será perdoado desde que não criem problemas para a “governabilidade” do País. Cuidado rapaz, elogiar a Dilma para salvar o jornal da perda de publicidade das estatais tudo bem, mas não vá contra o Lula porque ele deve voltar. De todo modo, apesar das limitações com as quais lida pelo método do ensaio-e-erro, e ao contrário do seu patrono, soa convincente quando louva a ética pública e reitera de que lado está entre o vício e a virtude. Vejam essa:  “louva a ética pública e reitera de que lado está entre o vício e a virtude” . Nossa, essa foi demais. Reitera, nem é mostra, mas REITERA, de que lado estáentre o vício e a virtude”. Que sorte a nossa, até que enfim, depois de décadas, temos alguém honesto no poder, e mais do que isso, pelo visto trata-se da reencarnação da Madre Tereza.

Por uma dessas coincidências a que se deve ser grato, porque lançou um súbito facho de luz sobre o contraste entre a mentalidade que reinava até há pouco no coração do governo e a que tenta se afirmar, ( mas que canastrão!) quanto mais não seja pela força da palavra, Dilma e Lula falaram de corrupção no mesmo dia, anteontem, em locais e circunstâncias tão diferentes como os dizeres de cada qual. No hotel Waldorf Astoria, em Nova York, perante dignitários de 46 países, a começar do americano Barack Obama, ela foi uma das oradoras da sessão inaugural da organização Parceria para o Governo Aberto, da qual o Brasil é um dos codirigentes. A entidade incentiva o livre fluxo da informação oficial a fim de promover a participação das sociedades nas decisões do Estado e a vigilância sobre a conduta das autoridades.

Nesse cenário, a presidente brasileira deu o seu recado não propriamente aos grandes deste mundo, mas aos residentes do mundo político brasileiro, cuja integridade não raro é inversamente proporcional ao tamanho de sua propensão para a falcatrua e de suas expectativas de impunidade. Deu o seu recado e eles ficaram morrendo de medo, como se acreditassem. Lula também cansou de dizer coisas semelhantes. A imprensa de uma hora para a outra resolveu nos convencer que Lula só falta ir para a televisão dizer que adora a corrupção, enquanto a Dona, que foi colocada no lugar por ele, que poderia ter escolhido QUALQUER OUTRA PESSOA, é completamente diferenteVocês acham que Lula é tão bobo que escolheu quem não conhecia ? Digamos, escreveu vinte nomes em um monte de papeis dobradinhos onde havia honestos e desonestos e dali tirou um, e vejam, ele se deu mal! Saiu o nome de um honesto! Daí ela ter renovado a advertência que ecoou bem à época, mas os fatos subsequentes (e a licenciosa lição do passado) ameaçaram desmoralizar: “Fui muito clara desde o meu discurso de posse, em janeiro, quando afirmei que meu governo não terá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito”. Bem, senhor editorialista, ela sem dúvida inovou ao dizer  o desvio, e o malfeito. Por que não disse CORRUPÇÃO com todas as letras ? Já mostra alguma maliciosa tentativa de afastar a palavra contundente, esclarecedora. O desvio, e o malfeito! Vai saindo! Foi também para o Brasil, em especial para as pulsões liberticidas que costumam irromper no PT, o estudado elogio à “posição vigilante da imprensa brasileira, não submetida a qualquer constrangimento governamental”. Não está submetida a qualquer constrangimento governamental ? Mas se a toda hora aparece o fantasma de regular os meios de comunicação ! Isso denunciado pelo próprio Estadão, que levou vários dias publicando matéria sobre o assunto. O senhor está exagerando. Na certa pensa, talvez com razão, que somos bem estupidos.

Pano rápido para outra cena. Em Salvador, onde recebeu um título de doutor honoris causa da Universidade Federal da Bahia, Lula deu uma aula sobre o que os errados, desviantes e malfeitores devem ser – e o que não devem fazer – quando os seus atos são trazidos à tona. Reza o manual lulista de resistência à faxina que “político tem que ter casco duro”. Quando acusado de fazer coisa errada, “não pode tremer”. Se não enfrentar a briga, ensinou, “acaba saindo mesmo”. O ex-presidente não está nem remotamente preocupado com a presença de corruptos ou coniventes com a corrupção nos altos escalões da administração federal. É a sua sobrevida que lhe interessa. Foi assim consigo próprio. De início, atrapalhou-se com o mensalão. Se não chegou a tremer, fraquejou. Depois, o casco duro prevaleceu – e o escândalo foi debitado à “mídia golpista”.Muito bem, a imprensa está distorcendo as palavras de Lula, um homem que já provou ser inteligente. Ninguém é tão burro, ou tão louco de defender corrupção. Ele evidentemente está se expressando mal, e o pior é que o editorialista sabe disso. E corrupção não é só roubar dinheiro. É distorcer, é colocar na boca dos outros o que não foi dito, entendeu?.  

O Brasil andou, sim, mas tropeça quando menos se espera. Não fosse o injustificado bloqueio do presidente do Senado, José Sarney, e do seu colega Fernando Collor, relator da matéria, ao projeto da Lei de Acesso de Informação, que permite a divulgação de documentos secretos depois de 25 anos, prorrogados por outro tanto – e acaba com o sigilo de textos que envolvam direitos humanos -, Dilma não teria sofrido óbvio constrangimento no evento de Nova York em que falou sobre seus compromissos éticos. Coitada, tão pura, um modelo de retidão, e dá o azar de ser sabotada por dois notórios ladrões. Ela ouviu Obama citar o México, a Turquia e a Libéria, mas não o Brasil, evidentemente, como exemplos de países que aprovaram leis “que garantem o acesso de suas populações à informação pública”. Sarney e Collor alegaram que os diplomatas e os militares se opunham ao projeto do governo. O Itamaraty e as Forças Armadas os desmentiram. Esse é um ponto interessante. O que une Sarney e Collor nesse veto à divulgação de informações? Roubos ? Collor dessa maneira abriu mão de mostrar que foi vítima de um golpe branco, embora já tenha feito um discurso no Senado onde tapou a boca do PT.

Pensando bem, faz sentido. Esperar daquela dupla de “cascos duros” com seus notórios prontuários, apoio à transparência na gestão das instituições de governo equivale a esperar de Lula, de quem ambos foram aliados, intolerância à corrupção. Outra vez. Vamos deixar de enganar o leitor. É claro o que Lula quis dizer:  no momento em que acusado de corrupção o político honesto deve ter “cascos duros” e resistir. Claro que são todos ladrões, mas foi essa a sua intenção. 

Que editorial mais puxa-saco.

 

22 setembro, 2011 às 17:10

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Categoria: Artigos

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