Minutos de puro transe e encantamento (João Marcos Coelho)
Depois de apresentação correta, foi na peça oferecida como extra que Sol Gabetta roubou a cena
É possível um extra roubar a cena, ser a peça mais comentada de um concerto? É raro, mas aconteceu na segunda, no concerto da Orquestra de Câmara de Basel e da violoncelista argentina Sol Gabetta, na Sala São Paulo, pela Sociedade de Cultura Artística.
Tudo decorreu normalmente na programada hora e meia de música redondíssima. A transfiguração aconteceu quando Sol – 29 anos e um precioso somatório de juventude, beleza e talento – atacou o extra, que anunciou como “dolcissimo”. Alguns poucos minutos de uma bela melodia que parecia improvisada – e o inesperado total sobreveio quando ela soltou delicadamente sua límpida voz de soprano e cantou em uníssono com o instrumento, embalando e embalada pelo violoncelo. Que música era aquela? O Livro, do autor Peter Vasks, que tem 64 anos e escreve música algo aparentada à de Arvo Pärt. Iluminados 7 minutos, que deixaram o público em verdadeiro transe.
Além do clarão do extra, houve outros dois concertos distintos na noite de segunda-feira. Primeira e segunda partes combinaram um concerto para cello do século 18 com peças para orquestra de cordas de Bela Bartók. A primeira parte foi morna. Rústicas e folclorizantes além da conta, as Danças Romenas não receberam leitura esfuziante. E o concerto de Leopold Hofmann não ultrapassou o nível de uma obra interessante e típica da segunda metade do século 18.
O intervalo certamente fez bem aos músicos. No Divertimento, de Bartók, obra muito mais ambiciosa- e arisca, do ponto de vista harmônico e rítmico -, a orquestra teve seu melhor momento. E, no concerto em dó maior de Haydn, Sol Gabetta mostrou suas melhores armas. Perfeita nos dois primeiros movimentos, imprimiu um andamento vertiginoso ao Allegro molto final, que virou um prestíssimo delirante.
(publicado no Estadão em 2 de junho de 2010)