Ano de 2011: Eu não suporto viver numa ditadura

Já basta ter passado pela outra. E aquela foi de direita, muito mais branda, menos acafajestada do que as da esquerda latino-americana, e incomparavelmente mais amena do que as tenebrosas do leste europeu e sua versão cubana. Na época faltava um parafuso na minha cabeça, mas até que eu achei bom os militares não terem nenhuma dúvida de que bandido era bandido, e não um problema sociológico. MUITO tempo depois, eu me convenci que eles também tinham razão em não permitir “baderna” na reforma agrária. Não passava pela cabeça de ninguém invadir terras. Claro que o melhor momento foi quando finalmente passamos a rezar pela mesma cartilha: cultuar Marx, Lenin, Stalin, Fidel, Che, Mao, tratava-se de burrice ou maldade dos adultos, ou coração generoso e pouca experiência da juventude.

Desde o primeiro dia do golpe disseram que iriam entregar o poder de volta aos civis. Não propunham nenhuma ideologia, apenas queriam evitar que a maior calamidade da história da humanidade, o comunismo, também viesse para o Brasil. Nós, os que vivemos aquela época, vimos que Castelo Branco desonrou sua palavra e não promoveu as eleições em 65. Mas, pelo menos, morreu de vergonha quando depois dele assumiu o grosseiro e mal preparado, general Costa e Silva. Era tudo o que ele NÃO queria. Ser sucedido pelo seu ministro do Exército era repetir a história das republiquetas de bananas, e passar para a posteridade como mais um reles ditador sul-americano. E foi o que aconteceu. 

Durante a presidência de Costa e Silva o general Mourão Filho disse a célebre frase:  “Ele é de uma burrice sesquipedal”. A piadas corriam soltas: Reunião com os ministros da área de Energia. Discutia-se a compra de petróleo e só se falava em milhões de barris para cá, milhões para lá. Costa e Silva assistia calado. De uma hora para a outra abriu a boca: “Eu só gostaria de saber o que é vocês fazem com todos esses barris vazios”.

Acontece que os militares gostaram demais do poder. Era tão bom nomear os parentes e amigos para sinecuras, tão bom (foi odioso) cassar o mandato dos que não ficaram do lado deles na deposição de Getúlio em 1954, tão bom aprender as mutretas com os civis em projetos grandiosos, e sem dúvida maravilhoso criar estatais para um Brasil poderoso. Dessa maneira foram ficando por lá, até se desmoralizarem completamente. Hoje não têm coragem de andar fardados nas ruas. Ninguém mais sabe como é que se diferencia um capitão de um major, ou de um tenente, e assim por diante. É o fim da picada. Estão absolutamente, completamente, afastados dos brasileiros.

Meninos, vocês não devem saber que o dia 7 de setembro era uma festa nacional. Um verdadeiro programa assistir à “Parada”. A população ia aos milhares, em todas as cidades do Brasil, ver os militares desfilando. Havia tanta gente que nossos pais tinham que nos colocar nos ombros para que pudessemos enxerga-los, marchando ao som das empolgantes bandas com o seu som altíssimo, completamente diferente das músicas que costumávamos ouvir. Eram muito aplaudidos, muito admirados. A Banda dos Fuzileiros Navais era famosa, a melhor do Brasil, havia aprendido alguns truques com as bandas americanas e seu desfile era um show. Eram chamados para “abrilhantar” grandes festas ou grandes clássicos de futebol. No rádio tínhamos Emilinha Borba, “a favorita da Marinha”, Marlene, “a favorita da Aeronáutica”, e assim por diante. Quando chegava a hora da decisão do que fazer na vida, nós considerávamos as carreiras militares em pé de igualdade com Engenharia, Medicina, Advocacia, Arquitetura, Economia. O problema era unicamente vocacional. Estudar durante os cursos secundario e colegial no Colégio Militar ( Exército) ou no Colégio Naval (Marinha) era o maior charme. A admissão era dificil, um concurso disputado, e se você não quisesse seguir a carreira pelo menos estaria dispensado do serviço militar, esse sim, chatíssimo, todo mundo tentava cair fora.

Até que se os militares não tivessem errado feio na economia não teria sido tão ruím assim. Mas ditadura é ditadura, ela humilha você, alguém está o tempo todo dizendo o que é melhor para sua vida. (Não precisam me dizer, eu sei que a de hoje é pior).

Duas pequenas histórias:  Em uma solenidade, Castelo Branco, presidente da República, vê o seu ministro do Exército, Costa e Silva, dirigindo-se às Forças Armadas, e protestando contra as leis, e contra o Supremo Tribunal Federal, que ainda permitia que os comunas recebessem habeas corpus e escapassem da prisão. O objetivo de Costa e Silva era agradar a “linha dura” e conseguir a presidência. O discurso foi num crescendo de violência, passou por cima da autoridade de Castelo e tornou-se altamente indisciplinado e desrespeitoso. A presença do presidente foi acintosamente ignorada. O Chefe da Casa Militar, general Ernesto Geisel, sussurrou para Castelo: ” O senhor precisa demitir o ministro imediatamente”. Bem, Castelo não teve peito e pagou por isso.

Muitos anos mais tarde, repete-se a cena com outros protagonistas. Geisel se depara com seu ministro, general Silvio Frota, que da mesmíssima forma que Costa e Silva queria ser o próximo presidente. Fazia discurso toda hora, ordem do dia, não parava de falar no perigo do comunismo e blá, blá, blá. Por algum tempo desafiou a autoridade de Geisel. No momento certo foi chamado ao Palácio e, após trocas de palavras ásperas e históricas, saiu demitido. Do Palácio dirigiu-se direto para o prédio do ministério do Exército, comportou-se como se ainda fosse ministro, quis resistir, mobilizar os 4 exércitos, em espetacular, dramático episódio, mas não conseguiu. Geisel já havia visto aquele filme, e sabia exatamente o que estava fazendo. 

Eu estava em Nova Yorque, em 1965, e resolvi visitar Juscelino no exílio. Fui até seu pequeno hotel, acompanhado de uma amiga. Ele e D.Sarah nos receberam com sincera alegria. Conversaram animadamente com os dois jovens emocionados que naquela noite  traziam algum conforto ao homem mais amado do Brasil. Quando achei apropriado perguntei:  “Presidente, o general Castelo Branco tinha um compromisso com o senhor para a realização das eleições neste ano ?” Antes que ele respondesse, D.Sarah, de maneira impetuosa, interveio e me lembro que parecia levantar-se da cadeira, estendendo os dois braços em minha direção: ” Deu sua palavra de honra!” Juscelino esperou um pouco para não interrompê-la e disse : “Em todos os meus anos de vida política nunca vi uma traição igual”. **

Não me recordo de mais nada, já que a declaração era tão marcante que eclipsou as amenidades, ou fatos menos importantes. Ficamos algum tempo tomando café, e na carinhosa (e triste) despedida, ele se demorou um pouquinho além da conta segurando a mão da Nádia, que era a linda namorada de um amigo. Aqui está o depoimento dela:  “…e foi assim que revivi, muitas vezes, a nossa visita, no final de outubro, no Beverly hotel, na rua 57. Bendigo o momento em que você teve a lucidez de me propor essa visita!… Devo-lhe esta, meu amigo, porque sem você acho que não teria tido a coragem de ir até lá. Aliás, ele, o JK, fez questão de me dar um abraço apertado, na saída, perguntando se eu não estava com frio. Mostrei meu casacão de lã, que carregava no braço. E ele uma vez mais sorriu, com simpatia e ternura “ Abraço apertado demais, Nádia!

 ** as bases do compromisso contarei em outra ocasião

28 outubro, 2010 às 11:36

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Comentários (3)

 

  1. ÁLVARO JUNQUEIRA disse:

    Ia comentar que achava um erro condenar Castelo, por que o acho (ainda) absolutamente íntegro e honesto. Mas o final do seu post me deixou com um pulgão atrás da orelha… Aguardo as novas.

    • Claudio Mafra disse:

      Não vou desapontá-lo. Abraço

    • claudiomafra disse:

      Álvaro, resolvi não retomar o assunto. Fica então a explicação que todos conhecem, e que no meu caso teve a confirmação da boca do próprio JK.

      Derrubado Jango assume Ranieri Mazzilli, que era presidente da Câmara. (Tinha o apelidado de “cavalo de parada” tal a sua maneira pomposa de andar). O Congresso decidiria quem ocuparia a presidência. Evidentemente o eleito só poderia ser militar, isso estava claro. Eram vários os candidatos, entre eles os principais: Castelo, Amaury Kruel, e até o Dutra. Desses todos o pior para Juscelino era Castelo, um udenista completo. Kruel seria muito mais maleável, era um homem que gostava dos prazeres da vida e, tinha tropa, comandava o Segundo Exército. Dutra o maior constitucionalista, deveria ser a melhor escolha. Castelo era o mais esperto, o mais ágil, o mais ambicioso, estava se impondo como favorito, mas não comandava nada. Encurtando a história: Ele procurou Juscelino e em troca do apoio do PSD para seu nome prometeu que garantiria as eleições em 1965, onde JK era o franco favorito. Juscelino acreditou e deu no que deu. Foi cassado por ele, e a eleição para presidente não se realizou. Castelo prorrogou seu próprio mandato e apenas permitiu a eleição para governador. Com o resultado adverso em Minas e na Guanabara nem isso se manteve. Os governadores passaram a ser indicados, e a ditadura ficou completa.

      A melhor pergunta é como Juscelino se deixou enganar, sendo tão esperto, tão matreiro, tão consciente do ódio que a UDN sentia por ele, já que havia tentado derruba-lo por várias vezes.

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