Meu encontro com o presidente Castello Branco

Quando eu estava dando uma olhada nesses livros que entram em liquidação achei um bem antigo, do Castelinho, “Os Militares no Poder”, uma coletânea de sua coluna diária, pós-1964, no Jornal do Brasil. Naquela época, abríamos o jornal e íamos direto para a segunda página, onde ela ficava colocada do lado esquerdo. Era uma leitura obrigatória. Fiquei com saudades e resolvi comprar o livro.

Na página 294 está escrito: ” Rio – A atitude dos estudantes preocupa vivamente o marechal Castello Branco. Entende ele que os estudantes se dividem em dois grupos: os que estudam e querem o diálogo e os que agitam e fogem ao diálogo. Contraditóriamente, lembrou que foi procurado em Brasília por quatro estudantes que lhe foram propor um diálogo. Advertido de que pertenciam a uma entidade ilegal, terminou por saber que o movimento de agitação estudantil era comandado precisamente pelos quatro.

Que estranha sensação a de ler, 45 anos depois, um fato narrado de forma diferente do que aconteceu, sendo você protagonista do episódio! Correndo os olhos sobre aquele parágrafo uma imensa melancolia se abateu sobre mim. A perda da juventude veio muito mais forte do que a vontade de qualquer correção sobre a história vivida.

Aconteceu assim : As principais lideranças estudantis da universidade de Brasília foram convidadas pelo presidente Castello Branco para uma entrevista no Palácio do Planalto. Éramos uns cinco, e não me lembro de que forma fomos contactados. Provavelmente por intermédio da reitoria. Obviamente o convite tinha enorme importância política, além do fato de que estávamos com a impressão de que representaríamos todos os universitários brasileiros.

Chegamos de manhã ao Palácio e nos levaram para um de seus salões, onde ficamos  em pé ao lado de uma de suas grandes paredes de vidro, aguardando o que viria a seguir. Estávamos muito nervosos porque iríamos nos defrontar com quem nos tirara a liberdade. O ódio por Castello Branco era uma constante em nossas vidas. Havíamos preparado um monte de perguntas e de pedidos.

De repente um ajudante de ordens perfilou-se e gritou : ” O Senhor Presidente da República!” Ficamos mudos. Como por encanto surgiu do nada aquela figura horrivel, um homem minúsculo, absolutamente sem pescoço. Alguma coisa chocante. Ele era muito mais feio do que imaginávamos. ( Não me lembro se Carlos Lacerda já havia dito que ele era feio por fora e horroroso por dentro).

Bem, ele chegou perto e fez um gesto para que nos arrumassemos ao seu redor. Ficou no centro, e fizemos uma ferradura, eu me postando do seu lado direito. Para nosso espanto, não queria conversar conosco. Começou dizendo que representávamos entidades ilegais, portanto não via nenhuma legitimidade em nossos cargos. Se a UNE era ilegal, os diretórios acadêmicos também. Foi curto e grosso. Passou-nos uma rapidíssima semi-descompostura e começou a se despedir, estendendo a mão para quem estava do seu lado esquerdo. Em fração de segundo eu passei do estupor para a beligerância. Pensei: isso não pode ser assim, é muito desaforo. O último a receber seu cumprimento de despedida, segurei sua mão com força e não deixei que a recolhesse. Não pensem que foi algo acintoso, mas bem sutil. Sem que houvesse tempo para que ele se ofendesse comecei a falar. O início está bem gravado em minha cabeça: ” Presidente, nós gostaríamos de pedir ao senhor que determinasse ao Cel. Darcy Lázaro que não prendesse mais estudantes.” E então, para surpresa de todos estendi-me em um pequeno discurso extremamente razoavel, extremamente conciliatório, no qual mostrava o quanto o Exército se comprometia quando dava tiro de canhão em passarinho. Fui tão persuasivo que Castello se impressionou e disse : ” Está bem”.  Fiquei exultante. Essa seria uma vitória política extraordinária. O homem ia mandar o coronel parar de nos perseguir. Aí ele se arrependeu e disse : ” Vou estudar”. A segunda frase tirava a força da primeira, eu já havia cansado de ver meu pai fazer a mesma coisa quando eu era criança. Mas, por um momento – três ou quatro segundos – tivemos certeza de que Castello havia concordado comigo.

Quando ele se foi, eu me virei para trás e vi um homem magrelo, cabelo escovinha, grisalho, com um pé em cima de uma cadeira. Olhava para mim e abria um sorriso escancarado do tipo “mais que coisa mais engraçada esses estudantes”. Eu o reconheci. Ele viria a ser o famosíssimo general Golbery do Couto e Silva. Assistira à toda a cena provavelmente com muita curiosidade. Deveria conhecer nossos nomes, nossos cargos, mas errara feio quanto ao que significávamos. Se soubesse quem realmente éramos jamais Castello teria nos chamado. Mais facil mandar nos prender.

Do lado de fora do Palácio estavam os jornalistas. Afonsinho, que trabalhava na “Última Hora”, me perguntou como fora a entrevista. Contei o que acontecera. No outro dia, a manchete de primeira página do jornal era esta : ESTUDANTE AO PRESIDENTE: BASTA DE PRISÕES!     

Pelo que se passou, e comparando com a versão do livro que comprei, é facil concluir:  Castello estava inteiramente desinformado sobre o movimento estudantil. Nós não éramos importantes pelos cargos oficiais que ocupávamos, mas sim pela nossa liderança nas entidades secretas, a AP (Ação Popular), e o Partido Comunista. Não interessava quem era presidente do Diretório de Economia, ou de Direito, essa era a fachada – significativa, sim – mas com muito menos influência do que a outra, que era mantida em segredo. E mais: Nem de longe tínhamos o poder dos nossos colegas do Rio, ou S.Paulo. Éramos no máximo coordenadores regionais, figuras estaduais, enquando os outros eram os verdadeiros líderes nacionais, muitos deles já no exílio. Não “comandávamos a agitação no movimento estudantil” como imaginava Castello. O presidente, que supostamente deveria saber muito, estava no escuro, não recebendo informação nem mesmo do próprio serviço secreto do Exército.

E foi assim. Pelo que me lembro, Castello nunca mais teve nenhum contato com estudantes. Youth!

15 fevereiro, 2011 às 10:21

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Categoria: Artigos

Comentários (3)

 

  1. ivana disse:

    O melhor desta história, foi ouvi-la sentada no chão da sala, ao lado do Mr. Winston Biscoito. E mais ainda, perceber como a sua geração foi temerária até os cabelos. E a minha geração??? Ai, não responde!! Dá até vontade de sumir…

  2. claudiomafra disse:

    Sim, alguns de nós foram corajosos. Pena que gastávamos nossas energias a serviço do mal. O presidente Castello Branco estava certo no atacado.
    A sua geração, D.Ivana, tem o cérebro lavado, enxaguado e passado. Não extraiu nenhuma lição da desmoralização e queda do império soviético. Vocês tem horror aos Estados Unidos, e vão morrer na mais completa e total ignorância. Atribuem aos americanos 2/3 das desgraças mundiais.
    Winston Biscoito é um bravo amigo, conservador, tradicionalista, e gostava de morder esquerdistas nas lindas praias da Zuid Afrika.

    • ivana disse:

      Viu, como eu já sabia a resposta?! Pelo menos me sobra alguma sensibilidade, e aí pelo menos eu já represento algo de bom para a minha perdida e triste geração….

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