Ótimo artigo sobre Ucrânia-Rússia (Jackson Diehl)
Esta semana, a fumaça tomou conta do Parlamento ucraniano e o presidente da Casa precisou de um guarda-chuva para se proteger dos ovos lançados contra ele.
A partir desta cena caótica, duas conclusões podem ser tiradas: a primeira é que a Ucrânia ainda é uma democracia, mesmo que às vezes seja uma grande confusão.
Segunda: a Rússia, que trocou a liberdade por um imperialismo renovado, ainda continuará tendo domínio total sobre o seu vizinho nas próximas décadas.
Por apenas 10 votos, os parlamentares em Kiev ratificaram um tratado que amplia o controle da Rússia sobre uma base naval no Mar Negro por 25 anos, em troca de um desconto de 30% no valor do gás natural russo – um subsídio que, de acordo com o presidente ucraniano Viktor Yanukovich, equivale a US$ 40 bilhões.
Isso deve ajudar o governo ucraniano a cumprir com as condições impostas por um novo acordo firmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e dar impulso à sua indústria pesada, a espinha dorsal da economia do país e da base política de Yanukovich.
Soberania. A oposição mais pró-ocidental da Ucrânia, porém, está convencida de que o presidente vendeu a soberania do país para Vladimir Putin, o poderoso primeiro-ministro da Rússia que deseja avidamente recriar alguma coisa parecida com a ex-União Soviética. Certamente, o acordo impedirá a Ucrânia de aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e à União Europeia num futuro próximo.
A menos que consiga pagar o preço de mercado pelo gás, os ucranianos não conseguirão entrar no mercado comum europeu.
E a Rússia continuará retendo os meios para chantagear a Ucrânia, ameaçando retirar o subsídio ou parar com o fornecimento de gás – como já o fez por várias vezes.
Mas, na busca de um status de superpotência que a Rússia perdeu irreparavelmente, Putin comprometeu seu país com dezenas de bilhões de dólares em subsídios caros para manter a base para uma frota do Mar Negro – obsoleta e enferrujada, que Moscou não tem condições financeiras de modernizar ou manter.
Viktor Yanukovich, entretanto, já deixou claro que pretende equilibrar as relações da Ucrânia entre Rússia e o Ocidente.
E o acordo básico será submetido aos eleitores, que deixaram claro durante a Revolução Laranja de 2004, na qual optaram por uma aproximação cada vez maior do Ocidente e depuseram um governo pró-Moscou, que não tolerarão ser subjugados pela Rússia.
Se a Rússia fosse uma verdadeira democracia, o acordo teria provocado o lançamento de ovos também no seu Parlamento.
Em vez disso, os deputados ratificaram o tratado uma hora depois de a Ucrânia aprová-lo, com 410 dos 450 parlamentares votando a favor – em meio às cenas que mais pareciam com as de um confronto entre gangues de rua do que a de um embate entre parlamentares. Mas a reação dos legisladores em Moscou deveria receber mais atenção do que toda a escaramuça observada no Parlamento ucraniano.
Parece cada vez mais claro, pelo custo da insistência na aspiração de um renascimento soviético, que o verdadeiro perdedor será o povo russo.
(publicado no Estadão em 1 de maio de 2010
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Resumo: “[…] que o verdadeiro perdedor será o povo russo”.